Rangel Alves da
Costa*
A vida não
é o instante. O agora já será diferente adiante. O amanhecer ensolarado não
significa um dia azul, brilhoso, festivo pelos raios solares. As nuvens
escondem segredos e a qualquer momento tudo pode mudar. E depois da chuva o
sol, e depois do sol as sombras da noite, e após o negrume o marrom-amarelado
das madrugadas para tudo novamente acontecer. As ondas que mansamente chegam ao
cais sempre retornam num empuxo mais forte.
Quem dera
se tudo fosse previsível, para acontecer segundo o desejado. O pescador pega
sua tarrafa, seu anzol ou sua rede, seu cesto e uma velha canção das águas, e
depois vai buscar a quantidade de peixes que quiser, como se conhecesse o rio a
partir das águas que silenciam ao molhar a beirada da pedra do cais. Conhecedor
daqueles mistérios e daquelas profundezas, ele sabe que nunca acontece assim. E
sabe também que será preciso arriscar, esperar e esperar, e ainda assim sem
certeza de pescar ao menos para o alimento do dia.
Conhecer o
possível e o impossível é conhecer os mistérios da vida. É entre o ser e o
talvez que tudo transita e acontece. É preciso muita tenacidade para avistar o
horizonte. Mesmo com a continuidade do tempo ruim, carregado de assustadoras
surpresas, tomado de espantos e absurdos, é possível avistar adiante, lá pelas
lonjuras de onde o olhar alcança ou o pensamento chega, ventos mansamente
soprando outras realidades. Talvez uma brisa perfumada trazendo consigo o dom
das possíveis transformações.
A vida não
é de brisa contínua nem de tempestades. O mundo não é apenas de calmarias nem
de tormentas. A estrada não é feita somente de espinhos e tampouco de flores. O
viver é entre caminhos longos, abertos, visíveis, e curvas e labirintos
perigosos, espantos e surpresas. Por isso mesmo é preciso compreender o viver
para que a desesperança não tome o lugar da possível realização, pois, como diz
o Eclesiastes, há um tempo para tudo sobre a terra.
Como disse
o poeta da palavra escrita nas pedras lavadas do cais, eis que chega o momento
de puxar redes tomadas de cardumes das outras pescarias infrutíferas. Nem todo
dia é dia de pesca, nem sempre os peixes avançam naquela direção. Muito tempo
perdido na espera do borbulhar das águas, até que tudo parece se transformar
adiante e o nada ser transmudado em fartura.
Eis o
poder da insistência no sonho bom, da perseverança em alcançar objetivos. O
homem padeceu, sofreu, esperou, mas acreditou no poder de sua rede e a lançou
novamente. Não quis o milagre imediato, não mais desesperou a cada instante,
apenas esperou. Tinha fé, mas compreendia a possibilidade de não conseguir.
Não seria
o fim de tudo se não conseguisse ainda daquela vez. Novamente lançaria a rede.
Mais uma, mais tantas vezes fosse necessário acreditar que tudo poderia mudar
de repente. E por agir assim, querer demais sem desesperar, é que seus olhos e
seu coração sorriram quando viram as águas se agitarem, a rede se balançar e
depois amainar em serenidade. A fartura estava garantida.
Nem tudo é
tempestade, vendaval, tempo ruim, temporal. Chega o momento da ternura do
tempo, do silêncio das ondas, da calmaria, do voo sereno da gaivota. O homem,
que tantas vezes se viu desesperado na beira do cais, que tantas vezes
desacreditou noutra rede boa, achou por bem persistir na sua fé e mais uma vez
lançar suas esperanças naquelas águas.
O homem
vive, assim, num mar de dúvidas, de tristezas, angústias e aflições. Não que
desacredite totalmente na possibilidade de conquistas e realizações, mas pelas
águas da vida sempre agitadas e duvidosas demais de sua oferta. Mas há um
instante que as ondas silenciam e o azul parece um manto bordado com fios
brancos de paz. E quando as ondas silenciam chamam o homem ao deleite do
merecido, da boa pesca, da bonança, ainda que mais tarde as águas estejam
revoltosas novamente. Porque como as ondas, a vida rapidamente se modifica.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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