Rangel Alves da Costa*
O homem é essencialmente um ser indecifrável.
Desconhecido de todos e de si mesmo. Sua capacidade contraditória é tão grande
que nem ele mesmo acredita no que diz, faz ou pensa. Na verdade, é um mistério
que jamais será revelado nem pela ciência nem pelo próprio homem.
O homem é um ser que renega sua função
existencial para abraçar o que lhe faz padecer. Não é obediente ao que deveria
fazer nem se incomoda de viver pelo avesso e fazer tudo diferente. Agindo
sempre instintivamente, tanto faz que sua ação tenha desastrosas consequências,
pois se acha capacitado demais para tudo reverter.
Como objeto maior da criação, ao homem foi
dado o poder de ação perante todos os demais seres que foram colocados sobre a
terra. Nesta condição, cabia-lhe interagir para fortalecer a existência de
todos. Mas não, vez que fez da concessão um poder arbitrário e age
implacavelmente para colocar em perigo a vida humana e dizimar todo o restante
da vida planetária.
Ao homem foi dado o poder de discernimento, a
racionalidade como condição maior para a escolha dos melhores caminhos, a
sabedoria para conhecer a vida terrena e o conhecimento para compreender a
localização e os limites do bem e do mal. Contudo, sempre preferiu ser
reconhecido como ser irracional, insensato, instintivo, bárbaro e incoerente em
tudo o que faz.
A sua racionalidade permite conhecer o
significado e as consequências das guerras, da violência, da tirania, da
arrogância, da arbitrariedade, da degradação ambiental, da devassidão humana e
daquilo que se alimenta como fuga de si mesmo. A tudo conhece, até sente na
pele ou na alma as angústias do mundo, mas ele mesmo acaba sendo mais um que
concorre para a existência de mais sofrimento no mundo.
O homem conhece o erro e erra, conhece o
pecado e peca, conhece a dor e pisa em espinhos, conhece o sofrimento e procura
o que lhe atormente. O homem sabe o que é comunhão, mas quer tudo pra si mesmo;
quanto mais acumula bens mais quer ter ainda mais; nunca prossegue com
tenacidade o objetivo para fazer o bem como impiedosamente persegue os
objetivos da maldade, da vingança, da destruição do próximo.
O reconhecimento pelo bem que faz não lhe
parece nenhuma dádiva. E por isso que tanto faz que seja visto como humanista ou
celerado. Nunca sente o mesmo prazer em ser justo e bondoso como se sente
fortalecido por se visto como perigoso e reincidente. É de seu instinto buscar
o reconhecimento pela força e temor a ser venerado pelo seu senso de
fraternidade.
Ao homem nunca basta o trabalho, o pão, o
lar, o vestir, pois sempre quer mais. Contudo, não porque sonha em ter algo
mais para viver melhor, com mais conforto e contínuas preocupações, mas
simplesmente como acumulação material que lhe permita poder e riqueza. Imagina
sempre que a riqueza é a única que impulsiona o homem ao esforço, pois fraco
sempre será aquele que se contenta em ter apenas o mínimo para sobrevivência. E
por isso mesmo sempre vale a pena utilizar de todos os artifícios e artimanhas
para subir na vida.
A racionalidade concedida ao homem não se fez
revertida na escolha do melhor, muito menos na compreensão de sua capacidade de
agir positivamente. O seu conhecimento parece servir apenas como habilidade
para tirar proveito em tudo, para se dar bem em qualquer situação, ainda que o
conseguido tenha sido por meios insidiosos e aviltantes. A sua sabedoria é,
pois, da esperteza, da malícia, do jogo sujo.
Nada do que foi concedido ao homem o fez
superior aos animais ditos irracionais. Ora, a formiga se organiza infatigavelmente
no trabalho, possui esforço incomum, e não desiste porque é muito grande o
fardo que tenha de carregar. O pássaro constrói seu lar grão a grão, levando no
bico cada graveto, e depois canta feliz em cima da copa da árvore. Aranhas
tecem suas teias com perfeição inigualável, assim como fazem as abelhas nas
suas colmeias. Tudo na natureza ocorre ou por satisfação ou por necessidade.
Por que o homem não se fez também irracional?
O prazer do homem não é por fruição, por algo
que lhe cause benefício próprio e enriqueça sua alma, mas por indescritível
morbidez. Pelas continuidades e reincidências, parece que há prazer em matar,
em ferir, em violentar, em fazer o mal. Tanto é assim que se organizam para o
terrorismo, para atentar contra vidas inocentes, para tirar a paz social, para
semear a discórdia, o medo e o terror. Em nome de uma suposta fé, em defesa de
uma suposta divindade, o sangue vai sendo jorrado sem piedade.
Verdade que nem todo homem se transmudou em
bestialidade, em fera faminta. Verdade que nem todo ser humano proclamou a
maldade como objetivo de vida nem adotou a desumanidade como parâmetro de
existência. Também é verdade que nem todo homem cultiva armas no coração nem
vive entrincheirado avistando inimigos em todo lugar. Há de se separar o joio
do trigo do trigo. O problema é que os campos da vida estão tomados de ervas
daninhas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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