Rangel Alves da Costa*
Catingueira nunca foi árvore gorda, robusta,
de tronco grosso e galhagem alentada. Pelo contrário, sempre magra, esguia, com
tronco e galhos parecendo pernas e mãos de magrez sertaneja.
Catingueira também jamais se sobressaiu
altaneira em meio aos arvoredos próprios das caatingas. Bela, altiva,
imponente, mas miúda se comparada às titanias da umburana, do angico, do cedro,
do bonome, do umbuzeiro.
Mas de beleza sem igual. Com o corpo reto que
vai se retorcendo sem formar uma copa fechada, procura ser espaçosa o
suficiente para que suas folhas miúdas bailem ao sabor da ventania que chega
veloz dos descampados.
E de repente, quando chegam as primeiras
chuvas, vão surgindo pequenas flores amareladas, de beleza somente comparável
ao festim de cores apresentado pelas floradas dos caibreiros. Flores
perfumadas, adocicadas, atraentes, verdadeiros assovios para abelhas e
pássaros.
É no período chuvoso que abre suas janelas e
portas para os convidados. Não só as folhagens novas e as flores brotando, mas
pelos braços que parecem crescidos para acolher a fogo-pagô, o cabeça, o
coleirinho, a nambu, o beija-flor e toda uma passarada sertaneja.
Assim aconteceu com a catingueira depois de
uma chuvarada boa. Já parecia dançante quando as nuvens gordas avançaram.
Quanto mais o vento batia mais ela parecia se lançar festiva e cheia de
contentamento. Quando a trovoada começou a cair então nem se fala, tamanho era
o seu júbilo de agradecimento.
A felicidade se fez moradia. E então a
catingueira bailava sua indisfarçável alegria, cantarolava baixinho sua exultação,
valsava leve o seu grandioso contentamento. Sentia-se reconhecida, admirada,
amada e visitada por seres tão singelos naquele meio doloroso demais de vez em
quanto. Sim, nas estiagens a dor, o sofrimento.
Desde o tronco à copa tudo parecia uma festa.
Pelos inexplicáveis mistérios da natureza, nem mesmo os arbustos e árvores de
maior porte eram tão visitados como a singela catingueira. Não se sabe se pelo
perfume da flor ou pela maciez da folha nova, mas a verdade é que ali estava
uma mesa farta e um salão suntuoso para festividade passarinheira.
E assim ano após ano, bastando que a
chuvarada resolvesse chegar. Mas depois de uma invernada a catingueira começou
a sentir algo diferente sobre suas folhagens e ao redor. Os pássaros rareavam,
as abelhas haviam sumido, os seres da mataria não eram mais avistados como
antigamente.
Logo pressentiu o pior, mas não sabia o que.
E começou a entristecer mesmo tendo por cima de si um ou outro visitante.
Entristeceu mais ainda quando mirou a paisagem ao redor e percebeu algo que
ainda não havia se dado conta: a mata estava sendo devastada e apenas umas
poucas árvores continuavam em pé.
Olhou com atenção por cima da terra e não
avistou restos caídos pelo chão, apenas troncos cortados já quase perto da
raiz. Aquelas árvores não haviam morrido, tinham sido mortas. E somente a mão
do homem com o machado ou o facão para agir com tamanha brutalidade.
A estação seguinte e ao longo do ano se
mostraram terríveis pela seca esturricando tudo. Como das outras vezes, sabia
que suportaria mais aquela estiagem, mas talvez não suportasse aquela desolação
da mata nua, aquele silêncio mortal e estarrecedor.
Mas o pior foi acontecendo a cada dia. Tudo
estava sem vida, cinza, frágil, caindo, morrendo. A paisagem parecia um campo
desolado pela coivara sertaneja. O sol cada vez mais quente fervilhava a terra.
E a catingueira sentia isso no tronco.
E chorava. Silenciosamente chorava temendo o
pior. Não sabia se suportaria mais aquela terrível estiagem. Mas os anos se
passaram e ela continua lá, magra, ossuda, mas ainda viva. Já caduca, pensa que
passarinho é pingo de chuva. Tenta sorrir e chora.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Linda crônica mostrando o sentimento da natureza.
Um abraço, Élys
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