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domingo, 1 de março de 2015

O AMIGO INVISÍVEL E O DIÁLOGO DA CONSCIÊNCIA


Rangel Alves da Costa*


Dá-se o nome de solilóquio o hábito de conversar sozinho, dialogar consigo mesmo, num interessantíssimo exercício de interlocução em mão dupla. Não só conversa, num proseado descontraído, como se indaga, pergunta e responde.
Desse modo, solilóquio é a conversa de alguém consigo mesmo, é a reflexão onde a voz expressa o pensamento. O indivíduo, que esteja sozinho ou não, simplesmente dialoga consigo mesmo como se um espelho linguístico estivesse na sua mente.
Certamente que muitos veem nesse hábito sintomas psiquiátricos, algum distúrbio mental ainda não aflorado em loucura. Outros imaginam a loucura em qualquer um que encontre falando sozinho. Já outros, de modo mais coerente, preferem sentir tal diálogo no contexto das normalidades dos indivíduos.
É normal que a pessoa converse sozinha. E fala sozinha todas as vezes que expressa sobre um inusitado cotidiano, como o esquecimento de algo ou um aborrecimento. E fala consigo mesma quando se permite pensar em voz alta, principalmente nos instantes de solidão. A palavra surge, se faz ouvida pelo silêncio, e depois vai embora sem mais consequências.
Na verdade, nada na voz surge ao acaso. A pessoa fala aquilo que está no pensamento, mentalizado, presente no juízo. Situações surgem na mente que começam a instigar. A maioria apenas pensa, se preocupa, reflete na feição aquela situação, mas outros não. Estes acabam percorrendo na voz aqueles caminhos da mente.
Ora, se a mente fala, se expressa através de uma linguagem, nada mais normal que a pessoa exteriorize consigo mesma essa voz mental. É diálogo e resposta ao inconsciente, talvez uma necessidade de expressão daquilo que urge ser verbalizado. A palavra irrompe de uma situação de aprisionamento e depois toma sua liberdade.
Alguns estudiosos comportamentais denominam de amigo invisível esse outro interior que dialoga com a pessoa. É o sujeito procurando seu espelho dentro de si mesmo e nele encontrando alguém que possa entabular uma conversa franca. Sente no amigo invisível a interlocução que tanto deseja.
Aliás, não há mais conversa franca, verdadeira e real, que essa diálogo empreendido pela pessoa consigo mesma. Não há como mentir ou dizer além do que a mente se predispõe, pois se expressando de modo instintivo. A voz reproduz a verdade da mente, da alma, do sentimento.
Essa entabulação de vozes únicas é também conhecida como diálogo da consciência. A consciência dialoga para contextualizar situações. Muitos aspectos sobre um mesmo fato acabam provocando uma necessidade de se perguntar e se responder. Daí que o indivíduo é encontrado falando como se estivesse conversando com outra pessoa.
Pessoalmente, tenho esse diálogo até como feição poética da existência. Algo singelo e sublime e sempre instigante. Sem estar com qualquer distúrbio mental, a pessoa de repente é encontrada envolta a um mundo que somente ela conhece a dimensão. E um mundo de pessoas que conversam entre si através de uma única voz.
Os doidos, os malucos, os insanos, conversam sozinhos para exteriorizar seu mundo ilusório e dar forma à sua visão fantástica sobre as coisas e os seres. E não raro que se expressem de modo mais coerente quando estão entabulando as conversações com o mundo ao redor. Como a mente trabalha em labirinto, o que surge na voz é reflexo de percepções desconexas.
As pessoas tidas como normais são encontradas falando sozinhas em diversas situações. A solidão por si só chama ao diálogo mental e a palavra surge quase como uma necessidade. As recordações também têm o dom de provocar o chamado à palavra para dizer um nome, relembrar uma situação, exteriorizar a saudade. Andando pelas ruas, de cabeças baixas, pensativas, num instante as pessoas se voltam para um mundo que faz até esquecer a vida ao redor. E falam de tal modo que provocam estranhamento a quem observa.
Mas a verdade é que quase ninguém admite que fala sozinho, principalmente por vergonha ou temor de ser visto como portador de algum distúrbio mental. Sente-se envergonhado se surpreendido nesse diálogo. Contudo, fato é que todo mundo fala sozinho, seja no banheiro, sentado no banco da praça, descansando na cadeira de balanço, mirando o horizonte. Em muitos momentos da vida há esse proseado revelador da pessoa para si mesma.
E realmente há muita gente falando sozinha por aí. De vez em quando sento na minha espreguiçadeira e fico observando as pessoas passando pelas calçadas. Certamente digo coisas que nem me dou conta, mas muito mais observo nos outros. É um monte de gente que passa dizendo coisas que podem ser ouvidas claramente. Mas seria maluquice minha tentar compreender porque falam tantas coisas sem pé nem cabeça. Ou com pé e cabeça demais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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