Rangel Alves da Costa*
Lampião e seu bando percorreram quase o
Nordeste inteiro. Em cada lugar a cangaceirama deixou marcas de sua passagem.
Contudo, em estados como Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas, a presença foi
mais constante, principalmente pela teia de protetores e apoiadores que Lampião
teceu com maestria.
Do mesmo modo, alguns municípios e povoações receberam
a visita do bando com mais constância. Os sertões dos referidos estados eram
frequentemente percorridos pelo bando e, consequentemente, pela volante no
encalço. Contudo, mesmo que as refregas e perseguições não permitissem que o
bando se demorasse em determinado em local, certamente que Lampião tinha suas
predileções.
Desde os testemunhos orais aos relatos dos
historiadores, firmou-se o entendimento de que Lampião sempre gostou de bandear
para o sertão sergipano. A verdade é que o Capitão se sentia bem na proximidade
de amigos como o Coronel João Maria de Carvalho (da Serra Negra, município
baiano vizinho a Poço Redondo) e Teotônio Alves China, o China do Poço.
Certamente não acoitava aos pés dos serrotes baianos por causa de Zé Rufino e
seu quartel-general também na Serra Negra. Então permanecia nas terras de Poço
Redondo.
Lampião certamente gostava de se amoitar na
região limítrofe entre o Velho Chico e as montanhas e carrascais sertanejos.
Ficava, a um só tempo, perto do caminho das águas e das veredas espinhentas
mais adiante. E a Gruta do Angico é assim, de um lado a então grandeza do rio e
do outro e arredores a selva de catingueiras, facheiros, umburanas, mandacarus
e xiquexiques. E a gruta ou grota fica, pois, entre serras dessa brutal e encantadora
paisagem.
Outro fator de relevância para a predileção
pelo sertão sergipano está também no grande número de coiteiros da região.
Pedro de Cândido, suposto delator de Lampião, era coiteiro filho da dona da
Fazenda Angico, Dona Guilhermina. Durval, então aprendiz na lide da serventia
aos homens das caatingas, também era filho da proprietária. E pelos arredores
os préstimos de outros sertanejos como Mané Félix e Messias Caduda, dentre
muitos outros.
Há relatos afirmando que Lampião se sentia em
casa na região de Poço Redondo. Quando deixou as distâncias hostis e
esturricantes do Raso da Catarina, no sertão baiano, o Capitão dizia
abertamente que não via a hora de chegar logo ao Angico para um repouso mais
demorado. Estava muito cansado, sem dúvidas, pois já chegando aos vinte anos de
luta pisando em sangue, com quase toda uma vida vivida na mira do mundo.
Dizem até que houve premeditação na escolha
do Angico. Além do cansaço da luta, também estava de alma cansada. Nesta última
fase da vida, o Lampião já era outro homem buscando o seu destino. Já não era o
feroz comandante, mas apenas o homem compreendendo a si mesmo. Estava mais
apegado às coisas sagradas, mais tomado de fé, mais reflexivo. E também muito
mais entristecido. Não suportava mais viver aquela desdita na vida.
O que aconteceria a 28 de Julho, quando os
homens comandados por João Bezerra se fizeram de vaga-lumes no cerco ao bando
para chaciná-lo, assemelha-se muito mais a uma consequência a uma fatalidade.
Ora, o cangaço estava destinado a morrer ali. Lampião não queria mais combater,
mas apenas sobreviver. Lampião não queria mais um fogo na sua vida, mas tão
somente um destino de um homem qualquer. Mas também sabia que era impossível.
Daí o sofrimento de Virgulino. O Virgulino triste pela alma sofrida de Lampião.
E todo o desfecho da saga se deu nas terras
sertanejas do Poço Redondo. E não há outra localidade nordestina onde o cangaço
se fez tão presente. Mais de duas dezenas de poço-redondenses se tornaram
cangaceiros do bando do Capitão. Coiteiros, fazendeiros, pessoas influentes de
então, todos indistintamente serviram à cangaceirama. Por fim, há o cenário
maior de toda a história do cangaço: a Gruta do Angico.
Portanto, cada município ou estado nordestino
tem o direito de chamar para si o reconhecimento e as homenagens ao Capitão e
seu bando, mas o verdadeiro museu do cangaço está mesmo em Poço Redondo, não
entre paredes e objetos cangaceiros, mas na história viva, nos cenários e
paisagens que falam por si mesmos. Não só no Angico, mas também na Maranduba e
outros arredores de fogo e sangue.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário