Rangel Alves da Costa*
Há uma montanha atrás daquela montanha.
Difícil avistar, difícil enxergar, mas há uma montanha atrás daquela montanha.
Ninguém jamais falou sobre sua existência, ninguém já disse ter ido até lá, mas
sei que além daquela montanha há outra montanha.
E a montanha existente lá depois da montanha
significa muito mais que um cume em altura. Nunca estive lá, jamais tentei
escalar seu rochedo íngreme e alcançar o topo. Contudo, basta a sua ideia, a
sensação de sua existência, e tudo se transforma numa vontade imensa de chegar
até ela.
Mas como dito, antes da montanha há outra
montanha e que, na verdade, impede a visão daquela existente mais adiante. Na
verdade, sem jamais tê-la avistado, apenas imaginam sua existência. E a que
está em primeiro plano, mesmo sendo uma montanha qualquer, é de lá que muitos
lançam suas preces no ar e dizem conversar com Deus.
Daqui avisto pessoas subindo, num esforço de
pecador procurando remissão, até alcançar a glória do cume. Ali também está
erguida uma igrejinha, um templo sagrado, mas somente avistado por aqueles que
avistam as coisas pelos olhos da fé.
Ora, mas se nesta primeira montanha há tudo
isso, então o que existirá na outra montanha que se tem como tão misteriosa e
guarda tanto segredo? Eis o mistério, eis o segredo. O desconhecido, por si só,
já instiga e chama, já provoca uma necessidade premente de ser desvendado.
Toda essa história da outra montanha, daquela
que está além da primeira montanha, remonta aos antepassados mais distantes.
Tudo começou quando o velho vigário da povoação, já se despedindo no leito de
morte, disse que no momento só lhe restava subir à montanha além da montanha e
lá receber as graças celestiais que merecesse.
Mesmo fragilizado demais, quando indagado
sobre qual montanha seria esta, pareceu ganhar uma força descomunal, uma
sobrevida diante da iminência, e falou como um verdadeiro sábio diante de seus
discípulos:
“Caminhamos pela vida terrena, rente ao chão
dos afazeres da nossa existência. Mas o homem não foi feito somente para
caminhar, e sim também para voar. E voamos quando temos a liberdade para
sonhar, para fazer o bem, para verdadeiramente amar e nos preparamos para voar
ainda mais alto. E eis o mais importante dos voos, o voo dos justos. E é neste
último voo, com asas encimadas pelas forças do bem, é que rumamos na direção da
montanha que está além daquela montanha. É, pois, com as asas ornadas das boas
ações terrenas, que alçamos o mais importante dos voos. E ao nos despedirmos da
vida terrena, levemente vamos subindo e subindo, e subindo mais e mais, sempre
em direção à montanha além daquela montanha. Nela, no mais alto da existência
de todas as coisas, mora a paz celestial. Há nela um paraíso, há nela o
convívio com os justos que já se foram, há nela a fruição das delícias pelo bem
feito na terra, há nela a presença de santos, anjos e seres iluminados. E,
principalmente, a presença do guardião da montanha: O Deus Pai!”.
As pessoas presentes silenciaram chorosas com
as palavras do vigário, que em seguida deu o último suspiro entre os vivos. E
até hoje muitos juram que já no instante seguinte um vulto suave e brando era
avistado subindo pelo ar e seguindo em direção à primeira montanha para depois
sumir rumo à outra montanha. Daí em diante se alastrou o mistério sobre a
montanha que está além da montanha. E também por isso tantos sobem à primeira
montanha para ver se avistam a outra montanha.
Somente agora compreendo o segredo guardado
acerca daquela montanha. Talvez não haja mistério, mas simples compreensão da
realidade do mundo, da vida, da existência humana sobre a terra. E também sei
como poderá ser alcançada sem que precise de sonhos e divagações para chegar
até ela. Tudo depende das asas, pois a montanha só é alcançada em voo.
E as asas, meus caros irmãos, nada mais são
que nossas ações na vida. A cada bem que fazemos vamos juntando uma pluma às
nossas possibilidades, a cada gesto de amor vamos solidificando nosso poder de
voar, a cada instante que vivemos para além de nós mesmos estaremos mais
próximos do cume da montanha, através do voo. A montanha, meus irmãos, aquela
que está além daquela montanha, é a nossa destinação além dessa vida.
Naquela montanha está o céu, o paraíso.
Aquela montanha é moradia dos justos, dos que partiram no voo leve da bondade
da vida terrena. Naquela montanha estão os santos, os anjos, os seres
iluminados e Deus Pai. E aquela montanha somente será alcançada pelos que
souberem, na obediência às leis sagradas, construir as asas para a eternidade.
Saindo da vida, o voo suave levará à vida eterna, no mais alto do cume da
montanha além daquela montanha.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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