*Rangel Alves da Costa
Uma
cultura às avessas, mas uma cultura. Falar mal da vida dos outros é costume que
se alastra desde que mundo é mundo. Até a cobra falou mal do paraíso. Os
profetas falaram mal dos reis e os reis falaram mal dos profetas. Não há como
mudar isso. Onde houver ciúme, ódio, raiva, desavença ou mera discórdia, sempre
haverá uma exposição negativa da vida do outro.
O problema
é que se fala mal sem motivo algum, por não ter o que fazer ou por maldade
mesmo. Contudo, é geralmente a inveja que faz a pessoa atacar sem motivação
alguma, a não ser a própria inveja. É um olho gordo que não acaba mais. Daí que
a feia quer enfear todo mundo, a gorda quer balofar todo mundo, a chata que
colocar chatice em todo mundo. A verdade é que acaba sendo visto e espalhado
como pior aquele que é melhor que o outro em qualquer situação.
Ser
trabalhador causa uma inveja danada. E por isso mesmo logo alguém vai esmiuçar
uma aleivosia para lançar sobre o esforçado. Ser belo também causa uma
insatisfação danada em muita gente. Daí que logo cuidam em jogar qualidades
ruins naquela beleza. Ser inteligente, ter um bom emprego, andar bem vestido e
de forma elegante, não se importar com a vida dos outros, viver bem com o
esposo ou namorado, tudo isso causa uma desmedida inveja. E então sempre surge
uma má língua para falar baboseiras.
Com o diz
o ditado, quem bota defeito quer comprar. Ou ainda outro dizendo que o olho que
só vê defeito não vê o defeito que o olho tem. E assim por diante, mas a
verdade é que a cultura do falar mal está em todo canto e por todo lugar. A
falsidade é tanta que muitas vezes um elogio oculta uma maldade, uma palavra presumidamente
bondosa carrega um inverso deplorável e afrontoso. É como se alguns vivessem
unicamente para desqualificar os demais e afrontar todo mundo. E tudo sai de
pessoas sonsas, mesquinhas, desprezíveis.
A Velha
Tibúrcia já dizia que quem se incomoda mais com a vida dos outros do que com a
sua, é porque sempre tem a vida dos outros como mais importante que a sua.
Deixa a sua que não vale nada num cesto de pano sujo e outra coisa não faz
senão viver mentindo pelos quatro cantos que a outra fez isso ou aquilo ou que
deixou de fazer o que não lhe interessa nenhum tiquinho. E o pior é que ainda
chega perto da pessoa falada com a cara mais sonsa do mundo, com sorrisos
falsos e gestos de cobra ruim.
Já a
saudosa Leontina dava a receita a quem se comprazia em viver pelos cantos,
portas ou janelas, falando da vida dos outros. Dizia ela: Deixa a calçola suja
de dias pra tá inventando aleive sobre quem não tá nem aí pra sua vida. Deixa a
panela queimar pra tá na vizinhança falando do brinco de uma, da roupa de
outra, do namoro de uma e da finura ou gordice da outra. Deixa a casa suja e
sem varrer pra dar mais valor à porta da rua e à vida de quem vai passando.
Deixa de se respeitar que é pra tá desrespeitando a vida de todo mundo. Boca
desgraçada da peste. E num sabe a desgrama que toda a sujeira tá nela mesma.
Por sua
vez, Querência da Lagoa Grande dizia que não é só mulher que vive assim,
trocando a sua pela vida dos outros, mas homem também parece não ter o que
fazer e fofoca mais que zinha gaiteira. E ajuntava: Uns cabra safado bom de
trabaiá e fica pelas calçada falano mal de quem passa e muito mais das fia dos
outro. Cremência dava escrita e leitura: Povo mais safado. Vá pregar botão, vá
varrer a casa, vá remendar, vá rezar pra Deus, bando de fi de uma égua!
Menos raivosas
não eram as assertivas saídas do Velho Totonho Quixabeira: A pessoa num pode
viver como pode nem do jeito que quer que vem um fi da peste pra tá falando
mal. Uma gota serena que num tem o quer fazer. Outro dia, a fia do compadre
Clementino saiu buchuda sem saber. Uma fia da gota sem ter o que fazer, entonce
se pôs a espalhar que a mocinha tinha pegado bucho. Oia que desacerto da gota.
Foi preciso dizer umas duas nas fuças da mentirosa pra ela tomar tino na vida.
Fala mal dos outros e esconde as safadezas que faz. E ainda tem gente que deixa
a casa sebosa e cheia de lixo e vive pelas calçadas falando mal de um e outro.
Num tem jeito pra esse povo. Só cortando a língua e amarrando no pescoço.
Assim as mirabolâncias
da língua e da covardia que se espalham por aí. E nem ninguém está a salvo
dessa cultura peçonhenta. Sempre haverá alguém falando mal de outra pessoa.
Como tem gente ávida por ouvir, então tudo se transforma em corrente injuriosa do
alheio.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Texto bem elaborado.Parabéns ao autor.
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