Rangel Alves da Costa*
Parece narrativa de Nélson Rodrigues, num
misto de paixão, sexo e traição, mas deixa de ser ficção para se situar como
verdadeira e real tragédia humana. Trata-se de um drama inigualável, vez que o
sujeito flagrou com outro homem a esposa que tanta amava.
Diante da desconfortante grandeza do caso,
será omitido o nome real do traído, também da traidora e demais envolvidos.
Abésio, este será o nome doravante consignado ao indigitado homem, aquele que
sentiu seu mundo cair quando viu outro homem já caído por cima de sua madama. E
ela dando plenas mostras que estava gostando, pois retribuindo com gulodice.
Pois bem, vamos ao triste relato. Homem
trabalhador, distinto entre os conhecidos, cumpridor de suas obrigações, bom
esposo, assim era reconhecido Abésio. Apegado demais à esposa, naquele dia
resolveu sair mais cedo do trabalho e ter tempo de sobra para escolher um belo
buquê de flores a ela destinado. Ela merecia muito mais do que isso, confirmava
intimamente o bom esposo.
Assim, passou no mercado das flores, mandou
preparar um misto de rosas, orquídeas e violetas e tomou o caminho de casa
cheio de contentamento. E felicidade ainda maior porque sabia que ela gostava
de flores, principalmente as raras tulipas. E foi seguindo e seguindo, cantando
baixinho, não vendo a hora de estender os braços e oferecer aquela porção de
primavera.
Como ainda estava muito cedo, quase ao fim da
tarde, cerca de uma hora antes do horário normal de chegada, resolveu que faria
uma surpresa ainda maior. Decidiu dar a volta e entrar pela porta dos fundos,
pois quando ela menos esperasse já o encontraria sorridente com as flores à
mão. E assim foi feito, ou quase assim, pois do instante em diante que colocou
o pé na cozinha tudo começou a desandar.
Abriu o portão do muro e foi entrando
devagarzinho. Da mesma forma após a abrir a porta da cozinha. Mas logo sentiu
um silêncio esquisito, e que não era silêncio porque dava pra ouvir algo como
sussurro ou gemido vindo do quarto. E também muito estranho que sua esposa
ainda não tivesse sido avistada. E algo terrível lhe veio à mente: ela poderia
estar passando mal no quarto. E por isso mesmo aqueles gemidos.
Assim que colocou a cabeça além da porta viu
a cena lamentável, o mais triste episódio testemunhado em sua vida: a mulher
estava com outro em cima da cama, no bem-bom, que nem percebeu a sua presença.
E nem perceberia naquele momento, pois ele prontamente recuou atordoado, sem
querer acreditar no que tinha visto. Então decidiu voltar pelo mesmo caminho e
resolver num balcão de bar o que faria dali em diante.
Bebeu cerveja, misturou com cachaça, e o
tempo passando. Mesmo sóbrio já não conseguia raciocinar bem, e depois que a
bebedeira foi se espalhando de cima a baixo, então mais parecia um demente. Só
saiu do botequim porque o dono pediu licença para fechar. Já passando das onze
da noite, seguiu pelas ruas levando uma garrafa de pinga numa mão e o buquê de
flores na outra.
Sentou num banco de praça e ali foi ficando
entre um gole e outro. De vez em quando deixava escapar o que lhe vinha à voz:
Não era ela não, era outra. Cafifonha nunca ia fazer isso comigo. Só quero
saber quem era aquela safada que levou homem pra fazer safadeza bem no meu
quarto, em cima de minha cama. Mas onde está meu amor, onde está você Cafifonha?
Já madrugada e ele tentando se segurar em pé
em cima do banco. Cantava uma velha canção apaixonada e ia arremessando pétala
a pétala. Uma cena verdadeiramente triste, uma inesperada paisagem noturna de
um homem traído, bêbado e errante na madrugada, espalhando pelo ar aqueles
poemas floridos que eram para o seu amor. Uma paixão traiçoeira, adulterina,
covarde, promíscua. Que lástima humana é a covarde traição da mulher amada, da
própria esposa.
Acabou adormecendo ali mesmo na praça, em
cima do banco. Foi acordado pelos primeiros movimentos do amanhecer e então
procurou se situar, saber por que havia ido parar ali e as motivações para tal.
E o quarto, a cama, os dois na safadeza, tudo foi sendo recordado lentamente. E
chorou o choro mais dolorido e sofrido que podia existir. Com a cabeça entre as
mãos, um homem traído e seu destino. O que fazer agora?
Simplesmente retornaria para casa. Aquele lar
era seu, herança recebida. Ela que tomasse o rumo que quisesse de sua vida. Mas
assim que colocou o pé na sala da frente encontrou outra inesperada situação.
Em pé, raivosa, cheia de razão, a mulher simplesmente disse:
“Coisa bonita, hein seu cabra safado. Passa a
noite todinha arrumando quenga e depois volta pra casa com cara de ontem. Faça
como eu, se dê o respeito. Agora volte e vá terminar seu chamego com a rapariga
que você estava até agora!”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
El Amor debe ser cuidado, pero a su vez si no hay confianza reciproca, tampoco hay Amor amigo. Buen escrito!!
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