Rangel Alves da Costa*
Segundo relatos colhidos de fontes seguras e
guardados no embornal da história - e agora repassados com toda veracidade -,
num tempo onde as terras nordestinas, principalmente aquelas situadas nas
regiões sertanejas de catingueira e vastidão de mataria, eram recebidas de eréu
e depois transformadas em latifúndios nas mãos de uns poucos senhores, as
poderosas amizades e os ódios sangrentos se desenvolveram no mesmo passo.
A imensidão de terras nas mãos de poucos
senhores causava o empobrecimento e a submissão da maioria da população
agrestina, já tão sofrida pelas secas de quase sempre. Mesmo que muito desses
latifúndios servissem apenas para a criação de rebanhos soltos, a maioria
mantinha alguma produtividade. E o plantio, a colheita, o cuidado com o gado, a
queimada, o roçado e muito mais que a terra exigia, era trabalho do pobre homem
do campo, cujo destino era apenas servir ao patrão.
Porém existia uma classe de homens,
escolhidos a dedo pelos próprios patrões ou seus capatazes, que eram
contratados para um trabalho diferenciado. Ao invés de cuidar dos afazeres da
terra ou dos rebanhos, tinham que cuidar de seus senhores. Não como serviçais
nas lides domésticas nos casarões, mas propiciando segurança, cuidando de
preservar a vida de seus patrões.
Não só cuidar de seus senhores como proteger
o verdadeiro feudo das ameaças e ataques inimigos. O poderio não estava representado
apenas no homem poderoso, na feição daquele dono de homens, terras e bichos,
mas na contextualização de seu nome perante a região e outros também poderosos.
Daí que defendendo o homem estariam também zelando pela sua fama, sua riqueza,
seu poder e sua honra forjada no respeito imposto.
Não podia ser diferente. O poder do
latifúndio, que era também o poder político e econômico, era disputado por
alguns senhores de mesma patente, e cada um querendo destruir o outro para
aumentar ainda mais seu prestígio e força de mando. Mesmo se encontrando em
almoços e reuniões, com visitas retribuídas e até a celebração de acordos
políticos, a verdade é que nenhum daqueles homens suportava o outro. Daí que
necessitavam de proteção, de homens valentes que servissem como alerta para que
fossem evitadas as tramas contra o seu patrão, sob pena de o troco ser
redobrado na violência.
Tais homens eram os jagunços, uma subclasse
de impávidos sertanejos que ao invés de utilizar seu destemor em causa própria
ou em ações positivas, vendiam sua honra e sua valentia aos senhores do
latifúndio, aos donos do poder, aos coronéis nordestinos. Arregimentados,
colocados ao redor dos casarões, ou mesmo nas moradias próximas, estavam
prontos para agir a qualquer momento. Em tempo bom ou ruim, em clima de paz ou
de tempestade sangrenta, deveriam responder e corresponder ao chamado do patrão.
Desse modo, no sertão nordestino o lugar do
jagunço está situado na arcaica estrutura fundiária que caracterizou o
latifúndio e a ascensão do coronelismo. A imensidão de terras proporcionou
poder local e influência política, fazendo surgir uma classe de poderosos que
buscava, a todo custo, aumentar ainda mais seu poder de mando. E o mando e o
poder exigiam defesa contra os desafetos e ataque contra todos aqueles que
contrariassem suas ordens ou servissem de empecilhos aos seus interesses.
No contexto do coronelismo político e
latifundiarista, o jagunço representa a extensão da força pessoal do líder
local ou regional. Como o senhor dono do mundo apenas ordenava que fosse feito
segundo o seu desejo, cabia ao seu contratado cumprir a determinação. E isso
era feito com a proteção ao senhor e seus bens, bem como preparando ofensivas
para dizimar inimigos. E os meios utilizados, além das próprias armas de punho,
era a tocaia ou emboscada, que consistia em agir nas sombras para surpreender mortalmente
aquele que estivesse marcada para morrer.
Assim o lugar do jagunço, num mundo de poderio
exacerbado sobre homens e bichos, num tempo onde a vida interiorana era
comandada pelos velhos senhores vestidos em linho branco nas suas cadeiras de
balanço. E também onde a lei só possuía vigência para os fracos e a
sobrevivência da grande maioria sempre dependia das benesses do poder, como
forma de garantir a continuidade do mando naquelas vastidões.
Quem dera que o jagunço tivesse sido apenas
nos moldes relatados em algumas obras ficcionais, retratados apenas como rudes
sertanejos, desvalidos da terra e dos meios de sobrevivência que, sem
perspectiva de vida, optavam ou pela vida cangaceira ou pela submissão ao coronelismo
beligerante e sanguinário. A maioria, contudo, mais parecendo seres domados
pelas forças do patrão e, por isso mesmo, irreconhecível em si mesmo.
Degenerados, desconheciam o valor de qualquer valor, principalmente da vida
humana.
Mas não. A realidade foi mais consciente e
sangrenta do que retratada na ficção. Não é um ser alheio ao mundo que escolhe
o local mais apropriado para emboscar, que espera horas e horas a fio até a
passagem da vítima e mira com tal obstinação que não deixa escapatória. Não é
qualquer um que faz do ofício sangrento uma razão de existir.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Hola amigo!
Pase a saludarte y a decirte que lei tu relato aunque me entero de muy poca cosa porque no entiendo el portugués.
Busqué por tu blog un traductor pero no lo encontré.
Abrazos desde Barcelona
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