Rangel Alves da Costa*
O que é a vida senão um varal esperando o
vento para secar a roupa encharcada dos dias e noites?
O varal é o ser humano estendido na sua
existência, um fio frágil que se distende de um ponto a outro, do nascimento à
morte.
O cordame do varal é a linha tênue da
existência, da vida de cada ser, balançando ao vento de cada instante.
A vida é suor, é chuva, é lágrima, é rio que
escorre nas veias e no olhar. Mas nada encharca dentro de cada um porque há o
varal do refazimento.
A lágrima no lenço de saudade, de adeus ou de
despedida, é estendida no varal para secar até que chegue a próxima tempestade.
A roupa do dia a dia é lavada e depois levada
ao varal. Bem assim ocorre com a vida. Quando está encharcada é preciso que
seja refeita para permanecer.
O varal se estende silencioso entre duas
balizas. Dia e noite, debaixo do sol e da lua, e ele ali esperando que uma
parte da vida vá ser estendida.
O varal também é limite, é fronteira. O que
era antes já não será mais do mesmo jeito depois de colocado no seu cordame.
O varal nunca é avistado antes que alguma
coisa precise ser nele estendido. Mas basta um lenço balançando à ventania e
tudo parece tão vivo e pulsante.
Se não há nada para enxugar, o vento apenas
passa no varal. O cordame é firme e não se balança com o sopro, mas diferente
ocorre quando algo ali é estendido.
Ao avistar algo molhado, sofrido, encharcado,
o vento parece se apressar para tentar diminuir aquela feição. Então afaga,
acaricia, abraça com seus braços aquecidos.
Então o que parecia um rio estendido, uma
correnteza voraz, logo começa a diminuir sua correnteza até parar de escorrer.
Eis a transformação.
Com a ajuda do vento, o varal tem o dom da
transformação. Com a força do sopro do vento, o varal pode transformar a
própria vida.
O varal seca a lágrima, seca o sofrimento,
seca o que nele for estendido encharcado de agonias e aflições. E seca para
tudo retornar ao estado de antes.
O varal parece transformar o velho em novo,
dá sempre outra feição ao que padecia das imundícies da alma. Tudo se torna
leve e suave.
A vida humana precisa sempre de um varal ao
redor. Basta observar a leveza em que é transformada uma roupa que ali chega
molhada, pesada, respingando.
A vida humana precisa ser estendida no varal,
precisa tornar-se leve, limpa, saudável. Precisa ser soprada pela ventania e
purificada pela força do sol.
O próprio ser humano bem que poderia se
estender no varal de vez em quando. Deixaria que suas lágrimas secassem e seus
encharcamentos ruins serem expurgados.
O ser humano estendido em varal, à mercê do
vento, à mercê do sol ou da lua. E aquele peso insuportável se tornando leve,
até bailar num sopro mais forte.
Que imagem necessária de ser vista a do homem
no varal. De braços abertos, pernas estendidas, e ele sendo apenas o que
permitam as forças silenciosas.
Mas o homem é egoísta demais, é vaidoso
demais para se reconhecer necessitado de um varal. Ali coloca sua roupa e o seu
lenço, imaginando ser o bastante.
Precisaria ser além do que veste, necessitaria
ser muito além do que pensa que tem e que é. Mas a verdade é que nem um varal
de ferro suportaria o peso de alguns.
O homem balançando ao vento seria o próprio
retrato daquilo que ele realmente é, apenas uma folha frágil em outono de
ventania.
Mas eis que o varal permanece estendido no
quintal. E o vento espera somente seu instante de sopro. Mas por que o homem
sempre sai pela porta da frente?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Que texto lindo! Acho que estou pesada demais para ficar pendurada nesse varal, mas ando a procura de algo que me torne mais leve. Porque eu preciso urgentemente desse varal.
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