*Rangel Alves da Costa
Brionício da Santidade de Jesus. Eis o nome
do sertanejo mais conhecido por Seu Brió. Já nos idos dos oitenta, porém ainda
no porte da velha umburana de cheiro, não queria outra coisa na vida senão
viver. E vivia.
Quando perguntado pela idade, logo respondia
que já mais de oitenta vaga-lumes. E por que vaga-lumes, Seu Brió? Indagava o
visitante, ao que ele logo respondia: Quando o candeeiro da mata não mais se
acende no breu é porque desiluminou ou já morreu.
Todos esses anos vivendo no mesmo lugar. E
agora sozinho desde que sua Mariinha um dia deixou o fogão de lenha em brasa e
foi fazer o café do Senhor, lá em riba. Foi chorar escondido, perto da
catingueira e mais adiante, debaixo de portentoso umbuzeiro.
O mesmo umbuzeiro onde um dia, ainda rapaz
moço, avistou uma tufada de gente assentada pra descansar. Ao se aproximar
devagarzinho, pé ante pé, quase acocorado em meio aos tufos do mato, deu de
frente com homens armados até os dentes. Eram os cabras de Lampião, parte do
bando ali de passagem apressada.
Depois disso nunca mais se deitou debaixo do
sombreado ao entardecer. Tinha receio de ser acordado por aqueles homens de
pouco sorriso e valentia demais. Não era medo não, mas o que ouvia dizer sobre
os cangaceiros e volantes deixava qualquer um de cabelo em pé. E ele era novo
demais para morrer.
O seu negócio era viver. E sempre viveu na
maior simplicidade do mundo, desde a sua moradia. Não trocava seu casebre de
cipó e barro por qualquer outro tipo de casa, muito menos na cidade. Se Seu
Brió não gostava de alguma coisa era ir até a cidade. Tudo fazia pra não botar
o pé na estrada em dia de feira.
Casinha simples, humilde, parecendo mesmo
estar num mundo muito mais antigo. Fogão de lenha, panela de barro, frigideira
de fritar ovo com toucinho, de preparar tripa e bucho pra comer com cuscuz,
pote em cima da trempe na cozinha, moringa na janela ou em riba da mesinha de
madeira tosca.
Quando forçado ir à feira, de lá retornava
trazendo fumo de rolo, um litro de cachaça com casca de pau e sempre uma
garrafa de vinho de jurubeba. Esta era guardada para algum visitante que
aparecesse. O restante era consumido no dia a dia da solitária, porém feliz,
vida.
Pinicava o fumo, miudinho do mais miudinho,
depois juntava um tantinho na palha de milho seca, passava tudo pelo lábio molhado
para fechar, em seguida acendia já se encaminhando para a malhada, para o meio
do tempo, de onde permanecia divisando os horizontes e as distantes nuvens de
chuvarada. Era difícil avistar uma nuvem boa, prenhe.
A cachacinha apenas de vez em quando. Uma
talagadinha só e já se dava por satisfeito. Deitava um tiquinho no copo antes
de colocar sobre o prato de estanho o arremediado do meio-dia. Comida pouca,
quase nada. Gostava de fazer feijão com carne do sol por que demorava mais, e
bastava dormir fervido para estar bom no outro dia.
Outro tantinho de cachaça quando chegava o
entardecer e logo a paisagem sertaneja tomava um encantamento sem igual. Nunca
se cansava de admirar aquela magia divina, aquela força estranha que ia
acendendo candeeiros pelos horizontes, entre as nuvens, para depois a tudo
esturricar e ter a lua grande chegando. E quanta saudade, quanta recordação!
Dormia em rede armada na varanda, de porta
aberta, caçando pedaço de lua enquanto o sono não chegava. No meio da noite,
parecia ouvir vozes da natureza, das folhagens, da ventania. Apertava com dois
dedos o pavio do candeeiro ali pertinho no tamborete e depois adormecia. E lá
fora o seu mundo se refazendo para renascer noutra luz.
Não havia galo a despertar a manhã. Ao
primeiro alvorecer, ainda quase na madruga escurecida, e Seu Brió já estava de
pé, adiante da malhada, de toco de pau à mão, andando de canto a outro. Um bom
dia ao calango, um bom dia ao graveto tombado ao chão, um bom dia ao
passarinho.
Depois se sentava na pedra para orar: Senhor
Deus sertanejo, que nenhuma porteira se feche, que nenhuma cancela se tranque,
que nenhuma estrada seja tomada pelo inimigo. E que vossa mão bondosa sempre
abençoe o filho dessa natureza sertão que lhe clama em oração!
Amém, Seu Brió. Amém!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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