*Rangel Alves da Costa
A arquitetura antiga sempre se mostra mais
imponente que a atual, ainda que o tempo tudo faça para fragilizar suas
estruturas. Os materiais utilizados, em muitas situações, são tão resistentes
que permanecem como inalterados. Assim, mesmo que as fachadas se mostrem
envelhecidas e deterioradas, as estruturas continuam firmes e necessitando
apenas de pinturas e reparos.
Assim acontece com o Casarão da Povoação Ribeirinha
de Bonsucesso, no Sertão Sergipano do São Francisco, no município de Poço
Redondo. Sempre denominado de casarão pela sua grandiosa construção e pela
imponência que se destaca em meio às paisagens ribeirinhas das beiradas do
Velho Chico, entre as margens de vegetação rasteira e as matas e caatingas
sertanejas. Contudo, o que mais chama a atenção é a engenharia levada a efeito
na sua construção, pois tudo fruto de grandes e penosos sacrifícios humanos.
Em Poço Redondo, somente a Gruta do Angico
possui maior importância histórica que o Casarão do Bonsucesso. Este, fincado
desde os primórdios da colonização ribeirinha defronte ao Velho Chico, numa
parte mais elevada e de onde se avistam as águas nas suas distâncias, foi
erguido num misto de poder e mando e de submissão escravista. E assim por que o
Casarão, construído na pedra batida entre paredes largas, ainda hoje chora,
sangra, agoniza a dor escrava entre suas paredes e seus arredores.
Como pode ser ainda observado em antigas
fotografias (e recentemente chegou-me às mãos uma verdadeira relíquia
fotográfica através da amiga Quitéria Gomes), ao lado do imenso e imponente
Casarão havia outras construções para a criadagem serviçal, a senzala. Com
efeito, no período de construção do sobrado, a escravidão imperava por todos os
lugares, e muitos escravos foram trazidos para a região ribeirinha do São
Francisco e gestaram muito do que ainda se tem como obra de quase eternidade.
Os negros foram trazidos para todos os tipos
de trabalhos, desde a terra às construções. E foi assim com a grande moradia do
senhor de então daquelas margens são-franciscanas. Ora, o poder e a riqueza têm
que ser mostrar grandiosos, faustosos, imponentes, e tendo na mão escrava a
cumprimento da ordem, tudo era feito para que a opulência também fosse mostrada
através da residência senhorial. E assim foi ordenada a construção do sobrado
com paredes de verdadeira fortaleza.
Que engenharia foi levada a efeito, com
exigências verdadeiramente extravagantes. O senhor não desejava apenas a
fortaleza para morar, mas também nos cercados circundando a residência. Então ordenou
também a construção de cercas (ou muros) de pedras. E pedra sobre pedra, numa
junção arquitetônica ao modo da exatidão no encaixe das antigas civilizações. E
não trabalho para durar meses ou anos, mas séculos, como depois se confirmaria.
Assim, não só nas paredes do casarão (de
cerca de um metro de largura) como nas antigas cercas de pedras que corriam aos
fundos e nas laterais, tudo erguido pela mão negra, pela mão escrava, tendo
como a ordem o açoite e a obediência pelo lanho de sangue jorrando pelos lombos
e pelas mãos. E há de se imaginar aquelas mãos em tão árduo ofício e de repente
ainda tendo de suportar chibatadas em busca da perfeição
Daí se dizer que as paredes e as cercas do
Casarão, ainda que na pedra talhada, foram todas cimentadas pelo sangue negro.
E por isso também a eterna presença escrava nesta indescritível riqueza
histórica: o Casarão de Bonsucesso. Hoje ainda tão belo e suntuoso, mas ainda
hoje também de tão triste memória pela sua dolorosa história. E uma história
para também ser sentida na alma de hoje.
E ainda lá a imponência do belo Casarão. À
sua frente as águas do Velho Chico, pelos arredores as paisagens sertanejas. E
todo um sertão em suas mais diversas feições.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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