*Rangel Alves da
Costa
Segundo
Sinésia da Cocada, o cuscuz merece toda a louvação do mundo. E ela mesma
confidenciou que até o coloca no rosário de suas orações, pedindo aos céus para
que nunca lhe falte à sua mesa. Sentimento igual de Toniquinho Poeta, que vive
a escrever rimas pobres em louvor ao cuscuz. E escreve: Igual ao lábio da
mulher, seja na mão ou colher, o cuscuz delicia a boca e a fome desandar em
louca...
Tanto amor
ao cuscuz já me levou a escrever alguns textos sobre este alimento que, ao lado
do pão, certamente é o mais apreciado na mesma do nordestino, seja pobre, rico
ou remediado. Interessante que a paixão é tamanha que até mesmo totalmente puro
é devorado em instantes por bocas ávidas pelo amarelado prazer.
Como
efeito, o cuscuz é um dos pratos típicos mais apreciados do mundo. Típico por
que cada povo costuma ter uma receita própria e à base de milho, arroz, trigo e
outros cereais. Dependendo da região, o cuscuz se torna num misturado que mais
parece outro prato.
As
receitas são muitas, levando miúdos, carnes diversas, queijos, salsichas e
outros embutidos, temperos, conservas, dentre outras opções. Mas nada igual ao
nosso velho e conhecido cuscuz nordestino, sertanejo de cheiro e fogão. Cuscuz
de massa ou flocos de milho, sem mistura, saído fumegante do cuscuzeiro.
Conheço
muita gente que se basta no cuscuz puro, sem acompanhamento algum. Até diz que
qualquer coisa misturada às fatias amareladas acaba distorcendo o generoso sabor.
E com razão. E tem gente que aprecia tanto o prato que é capaz de devorar um
cuscuz inteiro em poucos instantes.
“Agora,
imagine sendo o cuscuz autêntico, de milho ralado em quintal, cozido em fogão
de lenha e recoberto por pano limpo, de onde logo surge uma névoa quente,
cheirosa, perfumada, apetitosa, para depois ser fatiado e saboreado com
manteiga da boa, ovos de galinha de capoeira ou queijo da terra se espalhando
ainda quente pelas fatias e ao redor...”.
Conheci um
senhor que causava um problema sério na hora do café da manhã ou do jantar.
Sempre queria cuscuz, e puro, mas tendo de ser vigiado pela família para não
fugir do limite. Como eram feitos dois cuscuz, sendo o dele um pouco menor,
comia inteirinho o seu e depois olhava para os cantos e, não avistando ninguém,
corria a pegar fatias no outro cuscuzeiro.
“Agora,
imagine se esse cuscuz tão apreciado fosse saboreado com uma xícara de café
batido em pilão e torrado, feito em chaleira antiga, derramando pelas beiradas
o mel enegrecido dos deuses. Manteiga se derretendo por cima de cada fatia,
mais adiante uma porção de tripa assada, fininha, mas daquelas que escorre pelo
canto da boca a cada mordida...”.
Muita
gente come o cuscuz puro por falta mesmo da chamada mistura. Mas tenho certeza
que muito mais gente prefere ele assim, sem acompanhamento algum, pelo simples
prazer em comer, em saborear cada pedaço de fatia, e sempre querendo mais.
Quando no ponto, nem muito endurecido nem muito molhado, descendo ainda
fumegante no prato, realmente faz esquecer qualquer outra comida que possa ser
misturada. Basta esfriar um pouquinho e mastigar revirando os olhos.
“Agora,
imagine um cuscuz de milho ralado, como aqueles próprios das fazendas e
lugarejos afastados, chegando sobre a mesa acompanhado de um bom pedaço de
porco assado, uma boa costela de gado, ou mesmo uma carne torrada e oleosa.
Antes de tudo, molhar a fatia com o óleo da fritura, depois espalhar por cima
uns pedaços já cortados segundo cada garfada ou colherada, e tendo ao lado uma
xícara de café negro e encorpado. É um não querer sair mais nunca da mesa...”.
Muita
gente prefere pão, inhame, macaxeira, sopa, ou mesmo o que tiver na hora da
fome da manhã e da boca da noite. Mas há os verdadeiros apaixonados, fanáticos
pelo cuscuz. E tanto faz que seja em floco ou a simples massa, bastando que
chegue com aquele cheiro inconfundível do milho cozido. Verdade que o aroma
nunca é igual àquele ralado em quintal e cozido sumarento sobre o fogão de
lenha, mas a intenção vai pela fome e a fome faz surgir o perfume.
“Agora,
imagine um cuscuz caipira, de milho ralado, com leite de coco por cima, ou
mesmo leite de gado morno, com nata grossa por riba. Imagine um cuscuz assim
acompanhado de uma perna de preá assado, de uma nambu ou codorna, de uma caça
qualquer. Imagine um prato assim diante de um cabra que chega cansado ou que
tem de ter sustança para o trabalho do dia. A pessoa come de perder a hora, de
dar moleza, de dar vontade de somente se estirar numa rede e sonhar. Com mais
cuscuz...”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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