EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 37
Rangel Alves da Costa*
Da sublime luminosidade, o anjo tomou forma diante de Lucas e disse:
- Menino Lucas, o Senhor está contigo, valente guerreiro! O anjo do Senhor acampa em redor dos que o temem, e os salva porque aos seus anjos ele mandou que te guardem em todos os teus caminhos...
Olhando fixamente para o anjo, como se já estivesse esperando aquela aparição, foi ouvindo atenciosamente as palavras do mensageiro. E este continuou:
- Menino Lucas, há de estar se perguntando por que esses fenômenos todos acontecendo ao seu redor, coisas incompreensíveis e parecendo sem nenhum sentido, mas tudo porque haveria de aparecer diante de ti quando a natureza estivesse pura, lavada pela chuva e tendo animais como prova, pois é preciso sempre limpar bem os caminhos onde as palavras do Senhor devem chegar. Tenho muito a lhe transmitir, mas somente aos poucos ouvirás minhas palavras mesmo sem a minha presença. Mas por enquanto ouve: Levanta-te, toma tua igreja e tua fé, caminha pela estrada que encontrares, não tema os percalços e desafios, vence as pedras que estarão pontiagudas no meio do caminho e recolha-as como exemplos para edificar grandes construções adiante. Lembre que o Senhor disse: “Vou enviar um anjo adiante de ti para te proteger no caminho e para te conduzir ao lugar que te preparei. Está de sobreaviso em sua presença, e ouve o que ele te diz. Não lhe resistas, pois ele não te perdoaria tua falta, porque meu nome está nele. Mas, se lhe obedeceres pontualmente, se fizeres tudo o que eu te disser, serei o inimigo dos teus inimigos, e o adversário dos teus adversários. Porque meu anjo marchará adiante de ti e te conduzirá entre os inimigos, que exterminarei". Estou certo de que um bom anjo de Deus o acompanhará e disporá solicitamente tudo o que lhe diz respeito, de modo que tenhas sempre a alegria de voltar para nós. Quando um dia, ainda nessa estrada, ouvires de outro anjo que surgirá as seguintes palavras: “Salva-te, se queres conservar tua vida. Não olhes para trás, e não te detenhas em parte alguma da planície; mas foge para a montanha senão perecerás”, dê-lhe atenção porque simplesmente lhe pede que não enfrente os inimigos com as armas que eles possuem, mas siga adiante para utilizar as armas da tua palavra com coisas edificantes. Os inimigos se destruirão com suas próprias armas.
Então o anjo do Senhor estendeu a ponta da vara que tinha na mão pelo ar e imediatamente os pássaros e os bichos sumiram e a natureza voltou ao normal, na noite já presente; e o anjo desapareceu de seus olhos, mas não sem antes se despedir e dizer: "Deus todo-poderoso te abençoe, te faça crescer e multiplicar, de sorte que te tornes uma multidão de povos".
Seria de se esperar, ao menos, que Lucas estivesse assustado com tudo isso, com tanta coisa estranha lhe acontecendo apenas porque foi caminhar defronte de casa com uma xícara de café na mão, imaginando os acontecidos do dia. Mas não, no semblante dele, ao invés da palidez e do pavor, mostrava-se uma serenidade tamanha que se poderia dizer que estivera instantes atrás conversando com um amigo, e não ouvindo um anjo com suas lições entremeadas de sabedorias ainda não totalmente compreensíveis.
Já dentro de casa, ainda totalmente voltado para as palavras do anjo, porém sem negar o cansaço de um dia marcado por inesperados acontecimentos, sentou no sofá e não demorou muito para deitar ali mesmo e dormir. E sonhou. Quer dizer, eram sonhos dentro de sonhos, mas todos interligados ainda com aquilo que o anjo havia dito.
"Chegou a um lugar, e ali passou a noite, porque o sol já se tinha posto. Serviu-se como travesseiro de uma das pedras que ali se encontravam, e dormiu naquele mesmo lugar. E teve um sonho: via uma escada, que, apoiando-se na terra, tocava com o cimo o céu; e anjos de Deus subiam e desciam pela escada. No alto estava o Senhor, que lhe dizia: “Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai e o Deus de Isaac; darei a ti e à tua descendência a terra em que estás deitado. Tua posteridade será tão numerosa como os grãos de poeira no solo; tu te estenderás, para o ocidente e para o oriente, para o norte e para o meio-dia, e todas as famílias da terra serão benditas em ti e em tua posteridade. Estou contigo, para te guardar onde quer que fores, e te reconduzirei a esta terra, e não te abandonarei sem ter cumprido o que te prometi.” Despertando do sono exclamou: “Em verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!". No dia seguinte, pela manhã, tomou ele a pedra sobre a qual repousara a cabeça e a erigiu em estela, derramando óleo sobre ela. Deu o nome de Ester a este lugar, que antes se chamava Luz. E ele fez então este voto: “Se Deus for comigo, se ele me guardar durante esta viagem que empreenderei, e me der pão para comer e roupa para vestir, e me fizer voltar em paz casa paterna, então o Senhor será o meu Deus. Esta pedra da qual fiz uma estela será uma casa de Deus".
Este foi o sonho de Lucas.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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