SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 17 de julho de 2010

"SE ISTO NÃO FOR POESIA, DAI-ME O ORVALHO E A FLOR..." (Crônica)

"SE ISTO NÃO FOR POESIA, DAI-ME O ORVALHO E A FLOR..."

Rangel Alves da Costa*


"Verdade é que simplesmente saber sobre a existência disto aqui nem de longe se compara com o conhecer o verdadeiro paraíso, caminhar por seus jardins solitários ao seu modo e mirar apaixonadamente os encantos dessa vasta e incompreendida natureza. É preciso estar aqui, conhecer isto aqui para ser poeta no olhar e na voz que tem de expressar tanta beleza...".
"Plena razão amigo, e esta impressão maravilhosa sem que conheçamos ainda ao menos a metade dos segredos que estão guardados em cada ser e cada canto iluminados pelo sol, nos escondidos revelados pela luz do luar e naquilo que os nossos olhos encontram porque instintivamente sabem onde estão as belezas e os encantamentos...".
"E não haveremos nunca de conhecer por completo qual soberano reinado se impõe neste lugar nem quais os deuses que fazem cumprir as ordens do Deus maior para que em pleno sertão a poesia esteja presente em cada paisagem, em cada planta, em cada passarinho, em cada tristeza escondida, em cada lágrima existente...".
"É a mão de Deus, amigo, e esta é aquela mão onipresente e onisciente que amacia a terra árida, arrefece o sol, acalma a sede e o calor, permite a esperança sempre e ainda comprova sua força nessa vastidão de poesia e esplendor...".
"Pois é, amiga, e pensar nos que se satisfazem com as cidades frientas e os seus jardins parecendo plástico colorido, artificiais, seus horizontes friamente turísticos e o seu silêncio comprado. Poderiam ver quanta beleza há no jardim sertanejo, que se estende numa imensidão cinzenta e vai entrando pela caatinga e teriam, como nós temos agora, a flor do mandacaru, a flor do lírio, as flores amareladas das árvores que se confundem com as cores do por do sol, todas as flores e mais ainda a flor inventada por cada um para ser colhida e perfumar a brejeirice de rosto de manhã, corpo de lua e olhos de estrelas, a lindeza da mulher...".
"Não se engane por pensar errado, por não querer acreditar, que atrás do desconhecido mora aquilo há muito refletido, mas que não se quis acreditar. Basta ver esse mar no sertão, correndo nas águas do coração; esse rio caudaloso que é o córrego lacrimoso, essa festa verdejante em cada olhar delirante. Não se engane, não se pense que isso não é sertão porque vai mentir na boca e fazer feio ao olhar..."
"E nesse entardecer, que faz até esquecer as tardes no litoral, caminham os pés e dão-se as mãos e em missão de amor vão sentar no pedestal da serra e orar para os deuses do amor abençoar a união e trazer um filho bem bonito, bem sertanejo, bem cheio no sangue e na cor cabocla, que vai ter o nome mais lindo, mais bonito do mundo. E vai ser João, vai ser Maria, tem que ser assim, pai ou mãe do Nosso Senhor, pois somente assim Deus ajudará a ser doutor da sobrevivência...".
"E olhe ali adiante, amigo, aquilo ali não é um anjo? Olhe como ele vem sorrindo, todo sujo de terra e satisfeito por ter caído e rolado no chão. Mas que anjinho lindo e safado aquele, de calção curtinho e amarrado com corda de caroá, de camisa rasgada de ponta a ponta, barrigudinho o bichinho, descalço e saltitante. Mas que mais levado, que anjo mais safado é esse anjinho sertanejo. Mas se chamar Querubim acha ruim, se chamar Gabriel não atende, mas se chamar João ou José esse anjo brilha na mesma hora e faz voo de alegria pensando que vai ganhar um pedaço de pão, um doce ou um moeda...".
"É verdade, e tudo ao redor desse anjo, nos matos, nas matarias, no riacho, na aguada, na terra seca, na flor, na pedra embaixo do pé, no espinho furando o dedo, no sol e na estrela da lua, na lua cheia e na rua dos namorados nas noites sertanejas, em tudo que está acima e abaixo do anjo, mesmo na dor e no sofrimento, e se isto não for poesia, dai-me o orvalho e a flor..."
"É, amigo, dai-me o orvalho e a flor que mesmo assim vou preferir o sertão...".
E os dois viajantes foram se molhar no sol da água do riacho, que ficava em qualquer lugar desse paraíso.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Toninho disse...

A cada texto que leio fico maravilhado com sua maneira de deixar o sertao tao perto da gente, tao belo,tirando lhe as tristezas,colocando flores como em festa de Coroação da festa religiosa. Isto é uma arte caro Rangel.Magnifico!!!

Flor da Vida (Suelzy Quinta) disse...

Poeta, vou te dizer com toda sinceridade, li seu texto, reli
senti, e absorvi cada palavra que
você tão sabiamente e docemente
escreveu, trazendo até mim suave
brisa que me emocionou e me
encantou, pois foi como disse meu
amado amigo Toninho, você repassa
a realidade tão bem, que foi como
se eu assistisse um filme ao vivo e a cores, acompanhei cada cena...
Simplesmente sublime o teu texto!
Aplausos a ti!!! Estarei te seguindo, e ficarei muito honrada
se receber uma visita tua...
Deixo a ti um abraço e meu carinho... Paz e luz