O SEGUNDO BEIJO
Rangel Alves da Costa*
O primeiro beijo não podia esquecer de jeito nenhum, pois havia sido a coisa mais maravilhosa do mundo, mais doce, mais gostoso e mais carregado de calor do que jamais pôde imaginar. Aqueles lábios bonitos, perfeitos, carnudos, se aproximando lentamente e dizendo palavras sussurradas e depois, quase que num sopro leve e ofegante, se aproximando de sua boca e tomando-a com paixão molhada e tempestades que surgiam pelo corpo e por todos os lados. Que beijo mais gostoso, recordava. Pena que havia sido beijada em sonhos, na noite de ontem.
Ao menos o beijo do sonho havia servido para dar a dimensão do que seria essa deliciosa carícia labial, esse erótico toque bucal na realidade. Se fosse melhor do que o beijo sonhado dava até medo de morrer na hora, ali mesmo nos braços do amado. Dizem que começa dando um friozinho e depois que vai molhando tudo pelos lábios e boca chega um calorzinho, que se transforma em labareda num passe de mágica. Dizem ainda que o céu da boca se enche todinho de estrelas na hora do beijo bem beijado, e é por isso que a mente fica escurecida igualzinha a noite. E a noite é uma criança, não sabe o que faz...
Verdade é que a menina estava ansiosa, doidinha para beijar. E a vontade era tanta que até tinha sonhado com o danado do beijo. Também pudera, naqueles quinze anos mais parecidos com flores no jardim da adolescência, já era mesmo tempo de chegar um príncipe para provar do perfume daquela boca, como dizia sua tia, que se abanava todinha toda vez que ouvia falar em namoro. Enquanto a sobrinha era jardim em flor, se sentia uma velha floresta ressequida. Tempos, tempos...
As únicas pessoas que sabiam que Sandrinha estava apaixonada, de namorado bonito e na mesma idade dela, mas que nunca tinha beijado, eram sua tia e uma amiga muito querida, chamada Lúcia. Sandrinha confiava nas duas e não havia nada nesse mundo que não comentasse com elas, que não pedisse suas opiniões, mesmo que fosse assunto dos mais difíceis, relacionado às coisas do coração. E foi por isso mesmo que procurou as duas para dizer da ansiedade que estava sentindo porque naquele entardecer, após a saída da escola, ia encontrar o seu namoradinho e dar o primeiro beijo. Quer dizer, o segundo beijo, pois o primeiro foi o do sonho.
Assim, antes de sair de casa para ir à escola, a tia solteirona chamou a sobrinha num canto e disse algumas palavras de encorajamento naquele dia tão esperado: "Pode acreditar, mas mesmo não tendo nenhuma experiência com esse negócio de beijo, pelas razões que você conhece bem, quero pedir três coisinhas a você: quando for beijar não abra muito a boca não que é pra ele não visitar o céu da sua boca com a língua, não deixe passar mais de um minuto que é pra não esquentar muito por cima e afetar as partes de baixo e, de jeito nenhum, fique juntinho dele depois do beijo, pois isso é um perigo".
Antes de entrar na escola, encontrou a amiga que também deu alguns conselhos: "O beijo não tem segredo, bastando que você queira beijar quem ama e ele dá os seus próprios passos. Basta olhar bem nos olhos do seu amor e depois verás que por alguns instantes não enxerga mais nada sobre a terra, apenas sentindo que está voando cada vez mais deliciosamente distante. Depois é só abrir novamente os olhos e dizer tudo com outro beijo".
Sandrinha achou lindo o que a amiga disse e perguntou: "Com você foi assim?". E Lúcia respondeu: "Não, nunca beijei, mas tem de ser assim. Todo beijo de amor tem de ser assim, senão não há amor".
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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