EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 57
Rangel Alves da Costa*
Logo na manhãzinha do sábado as mães dos meninos chegaram com as panelas, caldeirões e os pertences para fazerem os preparativos da feijoada. Teriam que acender fogos nos fundos do barracão e providenciar uma série de coisas para que tudo desse certo, vez que a comida seria para muito mais gente do que o inicialmente planejado.
Sabiam que em se falando de feijoada o correto mesmo é que ela seja feita no dia anterior a ser servida, de modo que fique bem apurada e mais saborosa. Mas de qualquer forma, com a ajuda das pessoas da comunidade que chegavam a todo instante, tudo teria que ficar da melhor maneira possível. Afinal, era uma feijoada para pessoas simples e sem exigências maiores no paladar, como os meninos e os moradores das proximidades.
Os meninos chegaram pouco tempo depois e se juntaram a Lucas nos preparativos das atividades do dia. Guiomar pediu por tudo na vida que não esquecessem de incluir as brincadeiras de roda e suas cantigas bonitas; Paulinho avisou que o poeta Hermenegildo do Lácio havia pedido permissão para declamar alguns poemas de sua própria lavra de solidão e desamor; não esqueceram também de incluir Chiquinho Voz de Sabiá na programação, pois estaria ali com o seu violão para encantar os presentes. Enfim, a programação ficou mais extensa do que o esperado por todos, mas mesmo assim não haveria problema algum.
Nem bem chegou nove horas e o barracão já estava tomado de crianças e adolescentes. Em frente e nos arredores famílias conversavam entre si, mocinhas e rapazes trocavam olhares, tendas eram estendidas para espantar o sol, sombrinhas, cadeiras, esteiras e guarda-sóis estavam por todos os lados. Até vendedores de picolés e de lanches resolveram tentar a sorte por ali.
Quando o Padre Josefo chegou, chamou Lucas e os meninos num canto e anunciou que iria celebrar missa. Disse que viera ali como enviado de Deus para fazer celebração de qualquer jeito, mesmo que as pessoas não estivessem avisadas. E num instante, os meninos trouxeram a mesinha para frente do barracão, forraram com uma toalha branquinha e avisaram a todos que dali há instantes viessem mais pra perto e prestassem atenção que o sacerdote iria celebrar missa.
Ante de dar início aos ofícios, o padre cochichou no ouvido de Lucas e pediu para que olhasse para determinado local. Era o prefeito que havia chegado com uma comitiva de puxa-sacos e já estava acenando e pegando na mão de todo mundo. "Mas que safado. Se aproveitando do momento para fazer política e logo num instante que não poderei expulsá-lo daqui, vez que não seria conveniente tomar tal atitude diante de tantas pessoas que nada têm a ver com as desavenças entre nós dois. Mas deixe estar que o tempo dele chegará", disse Lucas baixinho ao amigo.
Enquanto pedia silêncio a todos para que o padre iniciasse a missa, Lucas avistou uma mãozinha acenando para ele e quando deteve o olhar pôde ver Ester toda bonita no meio da multidão. Fez um aceno de volta e apontou para onde estavam os meninos. Num instante ela já havia se juntado toda sorridente a eles.
E o padre começou o ofício:
- Meus irmãos, como é certa a presença de Deus entre nós e nos nossos corações neste momento, certa também é a minha vontade de celebrar sua palavra para todos. Mas antes de dar início ao sermão propriamente dito, tenho que dizer algumas palavras sob pena de jamais viver feliz enquanto cristão. Saibam, queridos irmãos, que neste momento era para que eu estivesse impedido de celebrar missa neste local para vocês, pois uma pessoa muito influente no município, talvez o político mais poderoso no momento, pois está com as rédeas de todos os munícipes nas mãos, procurou instâncias superiores da igreja para o que o nosso querido bispo intercedesse para impedir que eu celebrasse a palavra do Senhor neste barracão. Imagine vocês, uma pessoa que diz querer o bem de todos e por detrás, na maior falsidade do mundo, como é próprio dele e dos demais políticos, fazer o jogo do inimigo e mostrar suas garras. Diferentemente do que ele imaginou, jamais conseguirá me afastar do meu rebanho e impedir de semear as boas novas perante o povo de Deus. Mas não é contra a minha pessoa que ele se revolta, mas sim contra todos vocês e até contra Deus, contra estes meninos que tanto lutam para manter este local e contra os sonhos bons que todos possuem...
Não é nem preciso relatar as reações do prefeito ao ouvir tais palavras do Padre Josefo. Para se ter uma ideia, encobriu o rosto com um chapéu e pediu que os seus puxa-sacos o tirassem urgentemente dali, pois estava prestes a ter um piripaqui e morrer ali mesmo. Tremia de raiva feito vara verde, soltaria fumaça pelo nariz a qualquer instante. Mas não esqueceu de chamar um dos homens que estava ao seu lado e dar algumas ordens no ouvido.
Cerca de uma hora depois e era caldeirão de feijoada voando por todos os lados. Homens encapuzados chegaram de repente ali para destruir tudo.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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