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quarta-feira, 14 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 45

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 45

Rangel Alves da Costa*


Quando o pai do menino Faísca saiu um tanto transtornado pela realidade que ouviu, porém com uma esperança matuta brilhando nos olhos, foi a vez de Lucas ficar abismado com aquela história. Aquilo parecia ser coisa somente da cidade grande ou de locais bem mais desenvolvidos, mas não, pois ali na porta e no meio de todos, como se fosse o temido e terrível desconhecido que chega sem avisar.
Sabia que há muito as feições tipicamente interioranas vinha dando lugar às máscaras escondidas por trás do progresso. Daí os modismos que transformavam o autêntico no forjado falar, vestir, ser, viver, conviver; o cotidiano pacato num labirinto de novos hábitos e costumes, novas formas comportamentais e de tratamento; o matuto inspirado para sobreviver num esperto buscando meios escusos para se manter; a seriedade, a prudência e a ética num faz-de-conta de esperteza e de querer passar a perna por cima de todo mundo; a pureza e a castidade das mulheres todas belas num constante apelo corporal e sexual.
Daí o aumento da violência banal, gratuita, praticada futilmente; o avanço desenfreado dos roubos e furtos e de outras práticas delituosas para botar a mão no que é dos outros; a infestação do alcoolismo quando uma pinguinha bastava; o encontro a cada esquina com o novo assustador. E esse forasteiro chamado progresso, que há muito já jogava seus grãos por lá, fez chegar com mala e cuia o vírus mais contaminador da região, que era a droga dita proibida. Primeiro a maconha, depois a cocaína e agora o crack. Perigosa, assustadora e devastadoramente o crack.
E o Faísca, o pobre menino sem luz, era uma de suas vítimas. Faria de tudo para livrá-lo desse meio e desse vício, torcendo que ainda houvesse tempo, vez que já estava naquele estágio de furtar as coisas de casa e se desfazer de tudo que tem para matar a sede de se drogar. Faria o possível, porém tendo a certeza de que sua ajuda somente surtiria efeito se o próprio Faísca quisesse ser ajudado. Vamos ver no que vai dar, pensou.
Um pouco mais tarde, quando estava no barracão embrulhando a cruz de madeira para mandar fazer uma cópia, conforme as orientações do amigo Padre Josefo, Lucas ouve um pequeno barulho do lado de fora e resolve sair para ver o que é. Então avista dois homens fazendo algumas medições no terreno e se aproxima para saber do que se trata.
Assim que perguntou aos desconhecidos sobre os motivos de estarem ali com aquela parafernália fazendo medições de um canto para outro, foi informado que estavam no local a mando da prefeitura, pois o prefeito estava pensando em construir uma estrada que passava exatamente pelo lugar onde estava localizado o barracão. Era de se esperar essa chantagem também, essa sem-vergonhice daquele descarado, que tenta me intimidar a cada novo dia. Foi o que imediatamente imaginou Lucas com relação ao prefeito. E chamou os homens à sua presença para dizer:
- Vocês estão trabalhando e devem continuar fazendo o que mandaram, afinal vocês são pagos pra isso. Contudo, quero que ouçam bem uma coisa, e que fique bem claro o que vou dizer. Estão vendo essa pequena propriedade aqui, pois ela tem dono e esse dono sou eu. Ao menos tomo conta na terra do que me foi concedido por Deus. Estão vendo essa construção aí ao lado, trata-se de um barracão erguido com o esforço e o suor de muita gente e possui um objetivo de ser muito mais grandioso do que se possa imaginar. Vocês estão vendo bem esse que está aqui em pé falando, não estão? Pois é o proprietário e responsável por tudo que está aqui e que faz parte dessa propriedade, e por isso mesmo nem o presidente da república pode pensar em mandar construir uma vereda sequer sem a minha autorização. Ademais, para construir qualquer coisa tem que justificar a obra através da justa desapropriação, fundamentando na lei sobre a necessidade de qualquer coisa que se queira fazer. Somente depois que demonstrar dentro da lei a necessidade de desapropriação da área para construir é que poderá derrubar o barracão e mandar fazer o que foi planejado, mas não sem antes pagar o justo valor do terreno. Entenderam bem? Podem dizer lá ao seu chefe que para derrubar o barracão para construir a estrada, primeiro tem que me procurar para saber o valor da desapropriação, não só dessa parte aqui, pois tem que indenizar cada milímetro de terra que pensem em passar máquina por cima. Estamos avisados.
Foi quando um dos homens falou:
- Não sabia desse negócio de desapropriação não, mas já tinha dito àquele ali – Apontando para o outro - que não vejo como nem porque querer construir uma estrada passando logo bem onde está esse barracão. Não vejo necessidade nenhuma, até mesmo porque lá por fora fica até melhor de passar a estrada. E é por isso que até acho estranho querer derrubar uma construção tão simples, mas tão importante como tenho visto falar – E se aproximando mais de Lucas, muito cordialmente –. Desculpe moço, mas os meus dois filhinhos, o André e a Aparecida só falam nisso aqui. Será que o rapaz deixava eles vim participar das coisas aqui junto com os outros meninos?
E Lucas todo feliz respondeu:
- Pode, tanto eles como você e sua esposa. Apareçam por aqui quando quiserem, pois com fé em Deus isto aqui crescerá muito e terá vida longa.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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