EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 49
Rangel Alves da Costa*
Uma espécie de desapontamento brotou no rosto dos meninos, mas não no Padre Josefo, que achava melhor assim. E isto porque talvez as crianças estivessem gerando expectativas demais pela presença de Ester, o que deveria ser visto como um fato normal, como realmente teria de ser. Se em tempos atrás ela e Lucas namoraram talvez não tivesse importância, vez que atualmente cada um vivia sua vida sem estar na dependência do que passou. Nessa diretriz era a concepção do sacerdote.
Foi neste sentido que Lucas ainda falou:
- Principalmente para vocês – Apontando para os meninos – quero dizer uma coisa. Sinceramente agradeço do fundo do coração que tenham encontrado Ester na cidade e convidado ela para nos visitar. Sendo daqui deve ser vista como nossa amiga e colaboradora se assim desejar. Brevemente se formará médica e se vier exercer sua profissão nessa região poderá muito bem colaborar ainda mais. Por isso mesmo que o convite de vocês foi tão importante e me sensibiliza. Entretanto, sei muito bem que também tenham tido outras intenções com o convite, assim como testar o meu coração já que namoramos no passado. Digo a vocês que o meu coração já foi testado por demais naquilo que devia e confirmou tudo que eu esperava, que era realmente amar a Ester. Contudo, meus amigos, a vida é cercada por pequenas coisas que chamamos de circunstâncias que interferem e conseguem afastar as pessoas que se gostam. E houve uma interferência, não do destino, mas dos homens mesmo, que acabamos nos afastando. Foi então que acabou o namoro. Mas digo que acabou o namoro, mas não o nosso relacionamento, pois acredito que como pessoas adultas soubemos guardar nossa amizade e o nosso mútuo respeito. Assim, hoje ela leva a vida como bem entende, da mesma forma que faço com a minha. Não tivemos oportunidade de conversarmos depois disso, mas acredito que ela continua como a pessoa meiga e afetuosa de sempre, bonita e agradável como sempre foi. Por isso, tenham certeza que esta Ester que vocês aguardam aqui virá sempre como uma grande amiga, como alguém que gostarei demais de receber. Estamos certos assim?
- Até que estamos certos assim, mas foi o Paulinho que disse pra gente ficar torcendo por vocês dois... – Falou Guiomar sorridente, deixado o amigo todo sem jeito.
- Mas vamos torcer não somente para os dois, mas para nós todos que precisamos amar a vida, não é isso mesmo meus filhos? – Era o Padre Josefo falando, se despedindo para ir à cidade e voltar mais tarde, ao entardecer.
Assim, quando o sol começou a esfriar um pouco mais e os seus raios já não brilhavam com a intensidade conhecida por todos, à porta do barracão Lucas e o sacerdote começaram a avistar a meninada andando pela estrada rodeando Ester. Viram quando pararam no caminho e fizeram uma roda para brincar por um instante, e o que se via era o sorriso efervescente, chegando aos ouvidos dos dois como cantos de felicidade.
- Eis aqui a nossa amiga Ester – Disse Guiomar assim que chegaram cansados da brincadeira -. Esse aqui nem vou apresentar porque já conhece – Apontando Lucas – e esse aqui é o nosso amigo Padre Josefo, uma pessoa muito boa que está à frente da nossa igreja.
Antes de dar um abraço de cumprimento, Lucas olhou nos olhos e na feição de Ester e se sentiu extremamente feliz pelas boas recordações e por saber que ela realmente continuava aquela mesma menina de tempos atrás, simples, meiga, porém cada vez mais bonita. Que bom revê-la, pensou. E ao seu modo, olhando também nos olhos dele, Ester falou consigo mesma: Que bom revê-lo assim, parecendo feliz. E não mudaram as feições do belo menino que amei...
Parecia uma festa o encontro e o sacerdote disse para que todos ouvissem: "Que bom estar entre nós menina Ester, doce e bela como a rainha Ester da bíblia, que tudo fez para proteger o seu povo, que também era o povo de Deus, das garras do inimigo...".
- Já li sobre a Ester do livro bíblico, Padre Josefo, e é realmente uma história de lutas muito comovente... – Disse Ester.
E o padre continuou:
- Comparando a rainha Ester com a nossa Ester, a própria bíblia diz sobre a beleza que vejo nas duas, pois não foi em vão que o rei se encantou na sua presença: "E o rei amou a Ester mais do que a todas mulheres, e ela alcançou graça e favor diante dele mais do que todas as virgens; de sorte que lhe pôs sobre a cabeça a coroa real, e a fez rainha...", é o que diz a bíblia. E é também de Ester esse belo canto, que é uma magnífica prece:
"Meu Senhor, nosso único rei, assisti-me no meu desamparo, porque não tenho outro socorro senão vós, e o perigo que me ameaça eu o toco já com as mãos. Ouvi desde criança, no seio da minha família, que vós, Senhor, tendes escolhido Israel entre todas as nações, e nossos pais, entre todos os seus antepassados, para deles fazer vossa herança perpétua e que tendes executado todas as vossas promessas. Agora pecamos na vossa presença e nos tendes entregado nas mãos de nossos inimigos, por termos adorado seus deuses. Vós sois justo, Senhor. Ora, presentemente não lhes basta a amargura de nossa escravidão, mas colocaram suas mãos sobre as mãos dos ídolos, em sinal de que querem abolir o que vossos lábios decretaram, aniquilar vossa herança, fechar a boca daqueles que vos louvam, extinguir a glória de vosso templo e de vosso altar, a fim de proclamar pela boca dos povos pagãos o poder de seus ídolos e de magnificar eternamente um rei de carne. Ó Senhor, não entregueis vosso cetro aos povos que são nada! Que não se riam de nossa ruína! Fazei cair sobre eles o seu projeto e tornai um escarmento para todo aquele que por primeiro nos atacou. Lembrai-vos de nós, Senhor! Manifestai-vos no dia da tribulação! Dai-nos coragem, Senhor, rei dos deuses e dominador de todo principado! Colocai em seus lábios palavras prudentes na presença do leão e fazei passar seu coração para o ódio daquele que nos é hostil, a fim de que ele pereça, ele e todos os seus parceiros. E a nós, que a vossa mão nos livre! Assisti-me no meu abandono, a mim que não tenho senão a vós, Senhor. Conheceis tudo: sabeis que detesto a glória dos ímpios e que tenho horror ao leito dos incircuncisos e estrangeiros. Conheceis a necessidade a que estou reduzida e como abomino a insígnia da dignidade que está sobre minha cabeça nos dias em que devo aparecer em público. Sim, eu a abomino como um pano manchado e não a levo nos dias de meu retiro. Vossa serva não comeu à mesa de Amã, nem honrou com sua presença os banquetes do rei, nem bebeu o vinho das libações. Jamais, desde o dia de sua elevação até hoje, vossa serva não experimentou alegria a não ser em vós, Senhor, Deus de Abraão. Ó Deus, que sois poderoso sobre todas as coisas, ouvi a voz daqueles que não têm outra esperança; livrai-nos das mãos dos malvados, e livrai-me de minha angústia".
E após essas palavras do padre, os meninos serviram bolo e refrigerante e depois todos se puseram a conversar alegremente.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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