EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 43
Rangel Alves da Costa*
Os primeiros alunos já haviam começado a ser alfabetizados e estes formavam um grupo de sete idosos de que se dispôs a conhecer a importância da leitura e da escrita nessa fase da vida. O casal e mais quatro mulheres e um homem iam sempre ao barracão nas tardes de terça e quinta. Outros grupos já estavam em formação, porém de pessoas com idade entre os vinte e os cinquenta anos. Pessoas de idade abaixo disso formariam um grupo especial, muito maior, sem a pretensão de aulas mais específicas segundo o grau de dificuldade de cada um.
Contudo, praticamente todos os dias, principalmente nas tardes, o barracão vivia recebendo pessoas que para lá se dirigiam com os mais diversos objetivos: prosear, jogar dominó, brincar, tirar uma dúvida ou outra, fazer as lições da escola em grupo, enfim, uma série de atividades que a cada dia iam se diversificando e atraindo mais gente. Nessas tardes, eram geralmente os alunos iniciadores do barracão que comandavam as ações. E assim Paulinho, Maria, Jorge, Guiomar, Antonio, Pedrinho, Luísa e outros faziam de um tudo, desde as lições da escola até receber as pessoas que para lá se dirigiam. Serviam como verdadeiros guias do local, prestando todas as informações que fossem necessárias.
Lucas, que sempre estava por perto para orientar no que fosse preciso, planejava formar ali um grupo de idosas artesãs, onde aquelas senhoras que desejassem poderiam se dirigir até o local para fazer seus bordados, manejar criações com o tricô e o crochê, produzir rendas de bilros, enfim, uma série de atividades artesanais que servissem tanto para a diversão e o prazer como para possibilitar um ganho financeiro extra. Muitas vezes, ao lado da precária aposentadoria, quando muito, tinham de sobreviver bordando mesmo pela vida.
Bem que poderia conseguir instrutores para realizarem cursos especializados com as pessoas que desejassem. Pintura, artesanato em madeira, couro e barro, criações a partir de material reciclável, um montão de coisas que o povo tanto necessitava, mas que exigia investimentos para deixar de serem simples ideias.
Dinheiro que era bom faltava pra tudo; não recebiam nenhum recurso oficial, todo mundo prometia mas ninguém dava nada; os meninos é que de vez em quando chegavam com uma novidade boa, pois haviam conseguido juntar alguma coisa depois de pedirem a um e outro. Por mais que enviasse projetos para as instituições e órgãos públicos, sabia que a mau gosto e a burocracia ainda emperravam as pretensões. Lucas desejava muito modificar essa realidade, mas sentia que não seria fácil. E se conseguisse.
Dali há pouco tempo teriam de ampliar o barracão ou mesmo construir outro vão ao lado. O espaço já estava pequeno demais para tanta coisa e algumas atividades já estavam sendo feitas na varanda da casa. O melhor mesmo seria era a construção de um galpão de tijolo e telha, bem grande e dividido em compartimentos de modo que tudo pudesse ser realizado com folga e segurança. Mas seria sonhar demais, pensava Lucas.
Num desses dias, após o meio-dia apareceram no terreno dois homens olhando tudo em volta e fazendo algumas medições. Disseram que eram funcionários da prefeitura e que estavam fazendo inspeções de rotina. No dia seguinte chegaram mais dois estranhos, bateram à porta de Lucas e perguntaram se ele tinha guardado os comprovantes do pagamento dos impostos referentes ao IPPC e ao IMPPP. Meio espantado e em dúvida sobre aqueles impostos, Lucas perguntou:
- Meus senhores, poderiam me informar melhor que impostos são estes, pois pelo que eu saiba não existe nenhum imposto com o nome de IPPC e muito menos IMPPP. O que significa tais impostos?
E um dos homens, lendo num pequeno escrito puxado do bolso, respondeu:
- Diz aqui que PPC é imposto sobre a propriedade próximo à cidade e IMPPP é imposto sobre manutenção da propriedade pouco produtiva. É o que diz aqui. Eu também não conhecia não, mas é o que diz aqui. O rapaz está aí com o comprovante de pagamento desses impostos?
- Mas como poderia estar, se esses impostos não existem, nunca existiram? – Lucas perguntou indignado, e acrescentou mais uma indagação – E quem mandou vocês virem aqui perguntar esse absurdo?
O outro homem respondeu:
- A gente tá aqui em nome da prefeitura. E eles também mandaram dizer que se o rapaz não tiver com esses impostos pagos, com tudo em dia, é melhor o senhor ir até lá na prefeitura, que é pra evitar problema. Recado é recado e tamo dando. Agora é com você e eles lá – E foram saindo.
Mas que absurdo, mais uma vez atenta o canalha, o abjeto, o salafrário. Isso tem o dedo e a mão do prefeito. Só pode ser ele, aquele safado. Ficou imaginando Lucas, até com vontade de sorrir.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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