EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 61
Rangel Alves da Costa*
Tomar conhecimento sobre a morte de Faísca foi um duro golpe para Lucas. Procurou não demonstrar aos meninos, mas estava totalmente entristecido com o sinistro acontecimento. A notícia só viria provar que o menino, mesmo que houvesse lutado para sair daqueles perigosos caminhos, não havia conseguido superar a força maléfica da droga, do crack. Depois, com outras pessoas, procuraria saber das circunstâncias do fato, porém no momento pouparia Paulinho daquele relato.
Enquanto os meninos e parentes se dirigiam para limpar o barracão e arredores, ficou imaginando sobre a fragilidade das pessoas, sobre o quanto estas são dominadas facilmente e levadas para os lados negros da vida. Contudo, se perguntava se com relação especificamente ao Faísca este processo destrutivo tivesse ocorrido.
Ora, não via aquele fato como processo de destruição, pois o rapazinho não havia tido nem tempo de crescer mais, de desenvolver mais suas potencialidades. Não tinha ainda um poder de discernimento e de consciência crítica formados, daí que não poderia ter sido manipulado, reorientado negativamente, mas apenas conduzido para o precipício sem reação alguma, com um pequeno animal que vai ser sacrificado em nome do mal.
Estava disposto a ajudar o rapazinho. Sabia que havia furtado aqueles objetos de sua casa, o que comprovou que continuava com problemas, ainda estava se drogando e precisando de dinheiro para comprar mais uma pedra. Furta alguns objetos, vende por ninharia ou até mesmo entrega ao traficante, e satisfaz a sua sede por um instante. Mais tarde, a vontade bate às portas do inconsciente de novo. E mais um roubo ou furto para adquirir mais uma pedra. E assim em diante, até que um dia passa a ter todas as características de um marginal. É ladrão, viciado, abandonado pela família, procurado pela polícia, a qualquer instante, na sua ânsia de alimentar o vício, pode se tornar homicida, e assim num itinerário de marginalização e destruição. E bem à frente a morte certa, num percurso que não dura nem cinco anos. Não há dependente de crack e que viva para o seu consumo que viva muito tempo. Primeiro muda a personalidade, depois a feição, depois vai mudando tudo até se tornar praticamente irreconhecível.
Lucas deixou os meninos ali e resolveu ir até à cidade. Arrumou uma desculpa qualquer, mas a intenção mesmo era procurar o pai de Faísca para ver se estava precisando de alguma coisa. Até mesmo um simples gesto de solidariedade nesses momentos tem o dom de diminuir muitas dores. Assim que encontrou o senhor, que parecia um fardo jogado num canto, de tão absorvido nas suas tristezas íntimas, sentou ao lado e ficou em silêncio por uns dois minutos. Depois esboçou as primeiras palavras:
- Infelizmente, quando a gente pensava que o menino estava do nosso lado, o mesmo corria para o abismo. Agora é vida que segue, meu amigo, e temos que procurar evitar que o mesmo que ocorreu com Faísca aconteça com outras crianças. Mas sabe quem foi o autor do crime? – Perguntou Lucas.
- Ah!, meu rapaz, foi ele mermo. Ninguém matou ele não, foi ele mermo que se matou. Todo mundo que entra nessa vida sabe qui mai cedo ou mai tarde vai se matar...
Lucas se viu sem reação diante das palavras desse pai. Realmente, é praticamente um suicídio praticado por outras mãos. São fantasmas destruindo fantasmas, num cemitério aberto e aos olhos nem sempre vigilantes da sociedade. Após as palavras, resolveu que se demoraria pouco ali. Tirou do bolso algum dinheiro, disse que era para ajudar no funeral e depois seguiu em direção à igreja.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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