O NINHO
Rangel Alves da Costa*
Faltava apenas dois dias para os filhotes de passarinhos romperem a casca dos ovos e conhecerem o que é a vida fora do espaço quentinho, da proteção macia da mãe e do aconchego bem traçado do ninho. Já estavam chocados, fecundados o suficiente para passarinhar, para romper a tênue fronteira, para se assustar com a luz e depois voar.
Dizem que antes de nascer os passarinhos voam em sonhos pelas matarias e galhos ao redor para saber o que os espera na estação. De tão tristes com o que encontram, muitos decidem nem nascer e se calam de morte dentro do seu mundo oval. Depois são descartados pelos pais, jogados do ninho e caem na terra para alimentar outros animais, para secar e adubar o chão, para cair a chuva por cima e nascer um pé de passarinho triste. Os que resolvem viver não esperam a hora de nascer: irrompem.
Faltando um dia para que os ovos que estavam bons se rompessem, pois de seis só restavam três com vida, o pai passarinho, todo contente com a chegada dos filhotes, bateu asas logo cedinho do ninho e foi procurar alimento para trazer para a amada. Costumava retornar logo, mas dessa vez demorava demais para chegar. E o tempo foi passando e a mãe passarinha com fome não pensou noutra coisa senão em voar também pelas redondezas, tanto para procurar seu amado como para bicar algum alimento.
Quando o pai passarinho saiu do ninho sabia que não seria nada fácil encontrar alimento. As frutas próprias da estação já não existiam mais, os brotos do mesmo jeito, e para se alcançar qualquer erva macia e doce só indo muito longe. Até há pouco tempo não era assim, mas bastou o homem arrancar um pé e outro de mato que a comida e água dos bichos começaram a desaparecer. O pior é que não podia voltar porque um sabiá lhe contou que caçadores haviam seguido exatamente para aquela região onde estava o seu ninho.
A mamãe passarinha nem teve tempo de voar mais distante, pois de repente se viu praticamente encurralada. Viu quando uma rolinha fogo-pagô foi atingida e caiu junto com o galho e tudo. Voou mais baixo e depois subiu, ziguezagueou, mas viu que não tinha jeito, que no momento não poderia voltar para o ninho. E foi voando desesperada, seguindo cada vez mais adiante para tentar se salvar. Encontrou uma árvore bem alta e se escondeu lá em cima, cansada, soltando penas de desespero. E os meus ovos, e o meu ninho, e os meus filhotes, e o meu passarinho? Cantou sem perceber, mas era o canto mais triste do mundo.
Os passarinhos não retornaram nesse dia para o seu ninho. Do entardecer até madrugada adentro apenas se avistava lá em cima aqueles seis pontinhos brancos, quase incandescentes pelo clarão da lua e pelos fachos dos caçadores. Mas não houve ataque nem destruição, somente solidão. Logo ao amanhecer, se os pais estivessem por ali perceberiam três ovinhos se mexendo sozinhos, como se quisessem mudar de lugar.
Não demorou muito e a casca de um, mais parecendo uma folhinha de papel manteiga, começou a partir, a se romper e do ovo que se abria no ninho começou a surgir uma cabecinha de peloco de passarinho. Parecendo um nadinha, peladinho e já dando o primeiro pio. Nasceu um depois o outro e mais o outro. E de repente pios e mais pios sem pai nem mãe para o primeiro carinho, para o primeiro abraço com as asas. E foram piando e piando mais até o desespero chegar e ter nos restinhos de comida espalhados pelo ninho o único alimento. Quando não tinha mais jeito, se esforçaram, alcançaram a borda do ninho e se jogaram.
O chão acolhe qualquer um que queira aprender a caminhar. E no esforço da sobrevivência um dia aprenderam a voar. E hoje voam bem acima de muitos homens que, por jamais terem sofrido ou passado necessidade, se contentam simplesmente em caminhar sem jamais terem o prazer e a felicidade de abrirem as asas para voar, para acender o fogo da possibilidade de tudo, para caminhar sobre o mar.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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