EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 48
Rangel Alves da Costa*
Na verdade, Lucas havia mirado bem na retina do olhar dos dois e depois disse que ele mesmo pagaria o débito feito por Faísca para adquirir droga. E disse ainda que pagaria em dobro, em triplo se assim quisessem, mas com a condição de que deixassem o menino em paz e viessem receber o dinheiro ali mesmo, no sábado à tarde.
Contudo, também afirmou que se não aceitassem essa proposta e resolvessem continuar perseguindo o menino e ameaçando, ele mesmo iria tomar as providências de outra maneira, pois sabia onde moravam, o que faziam e o que pretendiam fazer. Os dois não argumentaram mais nada e foram saindo, até que um se voltou e falou: "No sábado, aqui, num é meu chegado?".
Faísca não precisava saber disso, concluiu Lucas. Precisava, isto sim, fazer apenas o que havia pedido. E sobre isto ele havia se comprometido. Agora era só esperar para ver, pois muitas vezes, sob a alegação de que não conhece um caminho o indivíduo procura seguir exatamente por uma vereda espinhenta, cheia de pedras e serpentes. Os trens também saem dos trilhos às vezes...
Mais tarde foi a vez de Paulinho, Guiomar e Pedro chegarem por ali. Foram direto ao barracão e em seguida começaram a fazer uma limpeza geral, remexendo em tudo e recolhendo cada folha seca que no chão estivesse estendida. Afirmaram que estavam fazendo aquilo tudo porque ao entardecer iriam receber ali uma visita muito importante. Mas por mais que Lucas perguntasse quem seria essa ilustre visita, os meninos calavam e se negavam a dizer o nome. É apenas uma pessoa importante, uma pessoa boa, uma pessoa de muitas qualidades. No máximo era o que diziam.
O Padre Josefo apareceu com o sol ainda a pino e não era ele o visitante esperado, disso todo mundo tinha certeza, pois era considerado como verdadeiro participante daquela empreitada toda. Até mesmo o sacerdote ficou admirado com aquela limpeza toda. Não se sabe onde nem como, mas os meninos trouxeram vasos com flores e um bolo com refrigerantes. Neste aspecto Lucas repreendeu-os, afirmando que estavam tirando de suas mesadas para gastos desnecessários.
"Mas Lucas, aí é onde você erra, pois quem recebe mesada é rico e pelo que eu saiba a gente, quando muito, ganha somente o dinheiro do lanche, e olha lá. Na verdade, quem tem dinheiro pra merenda é rico mesmo e bem rico, milionário, porque quem tem muito dinheiro de verdade às vezes tem pena de gastar até com lanche. E esses bestas de rei na barriga não sabem nem o sabor que tem um pedaço de bolo de ovos ou de leite com um copo de suco de tamarindo. Por isso que é tudo gordo de vitamina de farmácia e das drogas no que comem. Uns doentes que são, isso sim". Foi o que Guiomar falou para o espanto e sorriso de todos.
"Mas agora vou falar e vou matar logo a curiosidade de Lucas, vou contar como arranjamos isso tudo, tanto as flores como o bolo e os refrigerantes. E quem bancou isso tudo tá ali desconfiado", disse Paulinho apontando para o padre Josefo. Foi quando este pediu a palavra:
- Estávamos certos que tudo isso ficaria como surpresa, mas como vocês já quebraram o acordo então temos que contar o resto. Na verdade Lucas, os meninos foram até a igreja e disseram que planejavam dar uma arejada no barracão porque tinham encontrado uma pessoa na cidade que queria vim até aqui para conhecer esse projeto. Disseram o nome dessa pessoa e fizeram um pequeno relato sobre quem era. Achei muito interessante, mas ao mesmo tempo fiquei temeroso pela reação quando soubesse quem seria. Mas pensei melhor e cheguei à conclusão de que não seria nada demais trazer uma pessoa importante da cidade até aqui só porque talvez você não tivesse boas lembranças. Mas acho que não tem nada a ver, até mesmo porque essa pessoa já se comprometeu com os meninos que um pouco mais tarde poderia ajudar muito no projeto de vocês. Agora Lucas, mil perdões, mas deixarei que os meninos digam o nome de quem se trata – Conclui o sacerdote.
Antes que algum dos meninos procurasse ter o privilégio de citar o nome, Lucas falou:
- Não adianta mais mistérios, não adianta mais tantos rodeios, não precisam mais fazer suspense porque sei de quem se trata. Ontem mesmo sonhei com ela e estava linda no sonho. Desde tão pouco tempo atrás sei que não iria mudar muito, por isso mesmo é que deve continuar muito bela. E sonhei que ela chegaria aqui e entraria naquela porta feito uma deusa cheia de luz ao seu redor, com uma auréola de bondades sobre a cabeça. Mas é apenas uma mulher, é apenas uma pessoa como nós, só que num caminho que somente ela sabe aonde quer chegar. Por isso mesmo não precisam dizer quem é, pois já sei e ela virá mesmo, tenho certeza. E como vem voltará para sua vida com seus planos e objetivos. E nós continuaremos aqui com os nossos sonhos e realizações...
- Mas você não disse quem sabe quem é, então diga o nome? – Perguntou o menino Guilherme, um novato na turma, quase aos pulos.
- Ester, o nome dela é Ester.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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