SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 13 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 44

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 44

Rangel Alves da Costa*


Ainda nessa noite Lucas percebeu que um veículo da prefeitura chegou por duas vezes nas redondezas e voltou. Nas duas vezes parou próximo à umburana, mais à frente da casa e do barracão, porém ninguém desceu dele. Mais tarde, já quando estava deitado e com os olhos querendo fechar a todo custo, ouviu barulho no telhado e sentiu que jogavam pedras. Levantou rapidamente, mas não conseguiu ver ninguém por ali. Esperou cerca de meia hora sentado no sofá, mas como não ouviu sinais de nenhuma presença lá fora resolveu deitar novamente.
Na manhã seguinte, logo cedinho, após ter verificado se estava tudo normal nos arredores de sua casa e no barracão e enquanto tirava uns livros de uma caixa para organizá-los e levar para a pequena estante que os meninos estavam arrumando, ouviu quando alguém chegava e em seguida chamava na porta. Foi até lá e viu um homem com uma feição meio apreensiva, de jeito humilde e roupa muito simples do homem do campo. "Pois não meu senhor, o que deseja nesta manhã bonita?", perguntou Lucas, já próximo a ele.
- Me adesculpe, seu moço, por ter chegado na sua casa essa hora. É que antes de sair pra trabaiá pensei que podia vim aqui ter um tiquim de prosa com o senhor. A muié passou a noite de ontem todinha me escaquetando pra vim procurar o rapaz e é pro mode disso que tô aqui, se não for por mal. Será que o rapaz teria um instantinho pra me ouvir num probema danado que tenho pra arresolver? – Falou o homem todo envergonhado, tirando o chapéu da cabeça para demonstrar ser mais educado.
Imediatamente Lucas respondeu que seria um prazer ajudar naquilo que tivesse condições e que ele se sentisse à vontade para falar sobre o que quisesse. E apontou uma cadeira na varanda.
- Sabe o que é seu moço, é que eu e minha muié nóis ficou sabeno que o rapaz é um menino muito bom e que gosta de ajudar as pessoas que tá mais necessitada. Do meu lado, digo logo que não é probema de dinheiro não, Deus me livre, mais tarvez seja ainda um probema muito maior. E diz respeito ao meu fio Derclei, nome bonito que tirei da novela pra botar nele quando nasceu...
- E o que aconteceu com o Derclei meu amigo? – Interrompeu Lucas, procurando deixar o senhor à vontade. E o homem continuou:
- Pois bem, é que Derclei. Mas vamo chamar ele de Faísca que fica mió e todo mundo acustumou chamar ele assim. Pois bem. O rapaz sabe que um pai conhece quando um fio tá mudado, tá agindo de forma diferente, estranho. Mais do que todo mundo um pai sebe disso. A gente fica logo cabresto. Pois bem. Ando desconfiado que o meu fio Faísca anda fazendo o que num presta. Num sei bem o que pode ser não, mas a verdade é que só quer andar com gente famoso pelo que num presta, não atende mais nem pai nem mãe, chega em casa a hora que quer, virou respondão, e outro dia até levantou a mão pra mãe só pruque ela disse que ou ele se ajeitava ou ia tomar as providença...
E Lucas interrompeu um pouco para indagar:
- E o que é o que o senhor acha que está acontecendo com o menino?
- Era isso que eu queria saber, que nois lá em casa queria ter certeza. Agora que tá acunteceno arguma coisa tá, isso tá. Como é que se explica seu moço, o menino querer dar fim as coisas de dentro de casa? Outro dia pegou escondido um radinho de pilha que eu tinha e sumiu com ele. Eu vi mais num disse nada. Adespoi deu fim numa bicreta veia que era deu ir trabaiá. Eu vi mais num disse nada. Quis pegar um ferro de engomar novinho que a mãe juntou um dinheirinho pra comprar, mas aí eu num deixei de jeito nenhum. E foi a maior briga dentro de casa e com um menino quereno bater no pai. Como é que se viu uma coisa dessa? Só seno fim de mundo mermo. Pois é assim, e só sei que a coisa tá muito difici... – O homem relatava isso tudo com uma tristeza de dá dó.
E mais uma vez Lucas interrompeu:
- Mas o senhor sabe o que ele faz com essas coisas que leva de casa?
- O pior é que num sei, só sei que deve dar fim de uma hora pra outra, poi chega em casa sem nada. Outro dia chegou até sem uma camisa novinha que a mãe tinha comprado. Disse ele que foi os ladrão. Se foi ladrão ainda bem que foi só a camisa, não é mermo?...
- Não é mesmo não, senhor. A verdade é que o seu filho Faísca, como chamam, está com um problema sério e o senhor com um problema maior ainda se não procurar resolver logo...
Foi a vez do homem interromper:
- Com probema eu seu que tô e é por isso que eu vim aqui pra ver o que o moço pode me dizer, se pode me ajudar, ajudar ele, quarque coisa – E só não chorava porque se sentia envergonhado para tal.
- Pois bem, tá certo. O senhor foi muito sincero e vamos procurar fazer o possível, está bem. Agora aguarde um pouquinho que eu vou aprontar um cafezinho pra gente. Se quiser pode entrar em casa.
Cinco minutos depois e Lucas já estava explicando tudo o que achava que poderia estar acontecendo. Disse tudo o que sabia e deu orientações de como a família deveria agir. Por fim disse que precisaria muito conversar com o Faísca pessoalmente.


continua...





Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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