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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de outubro de 2014

COMO MACÁRIO SE LIVROU DA TOCAIA


Rangel Alves da Costa*


Macário estava marcado para morrer. E ordem nascida antes da cusparada de coronel não havia jeito, tinha de ser cumprida, e antes mesmo que o cuspe secasse, como se dizia por lá. Acusado de traição, de ter se bandeado e aberto a boca pro desafeto do coronel, seu patrão, tinha de pagar na bala a desfeita.
Não havia qualquer acusação formal, nada que comprovasse ter o jagunço realmente traído seu patrão. Mas a verdade e que, não se sabe bem por quais vias ou com quais intencionalidades, chegou ao ouvido do poderoso que o seu capanga mais famoso havia sido visto saindo da fazenda do Coronel Limoeiro.
Ora, o Coronel Limoeiro era inimigo de fogo a sangue do Coronel Sizenando, e de muito tempo, desde que os dois herdaram seus latifúndios e currais nas vizinhanças da Ribeira de Sangue. E Sizenando, por ser mais rico e poderoso, com muito mais influência política e poder de mando que Limoeiro, de tudo fazia para que este reconhecesse e aceitasse que quem mandava ali era ele. E pronto.
Mas o Coronel Limoeiro não se rebaixava de jeito nenhum e não admitia que alguém chegasse na sua varanda com oferta de compra de suas propriedades, principalmente partindo de Sizenando. Aliás, uma coisa seja logo registrada: a valentia do homem. E neste aspecto muito diferente de seu inimigo. Enquanto o Coronel Sizenando não dava um passo sem estar acompanhado de cinco a seis jagunços, ele galopava por suas terras tendo apenas o cavalo como companhia.
Tinha e mantinha jagunços na sua propriedade sim, pois não poderia ser diferente num mundo de inimizades de sangue. Sua jagunçada era muito mais de proteção que de ataque, e neste aspecto também muito diferente do Coronel Sizenando. Este mandava matar brincando, e qualquer um que se mostrasse como empecilho perante seus objetivos, ainda que se tratasse de um mero sertanejo de tapera e cuia.
Mandava matar qualquer um, porém não se atrevia a mandar tocaiar seu inimigo maior, o que seria a coisa mais fácil do mundo, vez que o Coronel Limoeiro não apenas era avistado sozinho nas suas terras como andava por qualquer lugar sem proteção alguma da jagunçada. E não encomendava emboscada de sangue e morte por dois motivos principais. O primeiro dizia respeito a um recado recebido do desafeto e cujo teor se manteve em segredo. E o segundo porque todo mundo saberia de que partiu a ordem para matar o inimigo.
Diante desse contexto, o que será mesmo que o jagunço de Sizenando foi fazer na fazenda de Limoeiro e foi avistado saindo de lá às escondidas e com feições de quem não queria ser reconhecido? Uma coisa é certa, recado de seu patrão não foi dar de jeito nenhum, pois se assim fosse não teria sua morte encomendada no mesmo instante que a fofoca chegou aos ouvidos do poderoso.
Mas o que Macário, o jagunço mais experiente de todos, aquele com mais tocaias já preparadas e devidamente executadas, teria ido fazer ali na residência do inimigo primeiro de seu patrão? Será que tinha ido até lá para matar o homem, e por conta própria? Mas ninguém ouviu tiros, ninguém ouviu nada, apenas o jagunço se esgueirando pela mataria adiante e sumir dali no mesmo instante.
A verdade é que Macário, após a inesperada e misteriosa visita ao Coronel Limoeiro, foi galopando diretamente às terras de seu patrão. Ao chegar, arriou o cavalo, virou um copo de cachaça e se pôs a limpar suas armas sentando num tronco. Não sabia, contudo, que alguém havia sido muito mais e rápido e já havia chegado ali para contar sobre sua presença na fazenda do coronel. Também não sabia que a ordem para sua morte já havia sido dada pelo patrão.
Após receber a notícia e avermelhar feito tição, o Coronel Sizenando acenou da janela e outro jagunço deu a volta para entrar pelos fundos. O coronel segredou-lhe alguma coisa e imediatamente este saiu correndo pelo mesmo lugar. A trama era sair escondido, por dentro do mato, e preparar uma emboscada para Macário, que logo passaria por aquela curva de estrada. E assim foi feito, com o jagunço incumbido de tocaiar e matar seu companheiro de desatino.
Aquele mesmo que havia repassado a notícia despontou na porta do casarão e logo avistou Macário pelos arredores. E seguiu em sua direção para dizer que o coronel havia dado ordem urgente para que fosse perguntar a Miguelim se já havia aceitado a oferta para vender seu pedaço de chão. Imediatamente Macário pulou no lombo do cavalo e pegou a estrada. Não sabia que a tocaia já estava pronta, que agora seria sua vez de ser emboscado e morto.
No ponto certo, na curva da estrada, o jagunço estava à espreita, escondido detrás de um tufo de mato, já mirando em direção ao companheiro que logo se aproximaria. Logo ouviu o som do galope, veloz. Era Macário, não tinha dúvida. Ajeitou ainda mais a pontaria, mais e mais. Mas de repente baixou a arma e correu para o meio da estrada. Repentinamente decidido a não matar o amigo, nem teve tempo de levantar a mão para pedir que parasse. Recebeu um tiro na testa. Caiu estatelado.
Mas antes de morrer revelou a Macário o que lhe havia sido encomendado fazer. Era tarde demais, lamentou o matador. E deu a volta para cumprir o acerto feito com o Coronel Limoeiro, ainda que este quase não tivesse aceitado a proposta. Ia matar o Coronel Sizenando.


Poeta e cronista
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