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terça-feira, 28 de outubro de 2014

BEN STRIK: A NOTÍCIA TARDIA SOBRE A MORTE DE UM AMIGO


Rangel Alves da Costa*


No último domingo, dia 26, repassando alguns livros da estante, fixei o olhar em “Morrer Para Viver – A Luta de Tito de Alencar Lima contra a Ditadura Brasileira”, um alentado relato biográfico (710 páginas) escrito por Ben Strik. Imediatamente recordei do velho amigo que deixara de dar notícias desde mais de ano.
Corri ao computador para ver se encontrava alguma informação e eis que encontro o que menos esperava: o anúncio de sua morte em 12 de março deste ano. Portanto, já há cerca de sete meses. E li que Ben faleceu em sua casa em Rucphen, Holanda, aos 91 anos, após acometimento de enfermidade. Nascido a 03 de março de 1923, seu desejo era chegar aos 101 anos, a mesma idade com que sua mãe faleceu.
Após a tardia, porém sempre triste notícia, me pus a recordar os primeiros contatos que com ele mantive, via email, bem como de sua visita, juntamente com sua esposa Patty Strik, à minha residência na capital sergipana. Já era noite e os dois chegaram acompanhados por José Paulino da Silva, anfitrião dos dois nas terras sergipanas, reconhecido historiador, escritor, folclorista e professor universitário aposentado. Trazia na mão seu precioso livro, que calmamente se pôs à dedicatória.
Relembro agora aquele senhor alto, de uma tez clara avermelhada, cabelos bons e esbranquiçados, cheio de alegria e jovialidade, com palavras que verdadeiramente encantavam. Com o sotaque entrecortado pelo seu holandês de origem e o português aprendido pelos longos anos na sua missão brasileira, Ben falava de seus novos planos e projetos, tanto para a juventude brasileira como para a holandesa.
Ben Strik foi homem múltiplo, de mundo, de muitos planos e objetivos, de muitas missões, e a maioria delas concretizadas por onde passou. Religioso, ex-sacerdote, missionário, escritor, compositor, cantor, evangelizador, engajado politicamente, muito fez pelos campesinos brasileiros na sua luta pela reforma agrária. Em nome da Igreja, atuou com eficiência para manter entre as forças governamentais e os movimentos sociais.
Em um texto intitulado “A correspondência de Ben Strik”, publicado em fevereiro de 2011, assim me referi ao grande homem:
“Ao entardecer deste último dia 23, fevereiro de 2011, estava eu tecendo meus escritos com pedra e cinzel quando me chega uma correspondência de longe, bem longe, e enviada por alguém que jamais imaginaria fosse lembrar-se de minha existência nesses tristes trópicos. [...] Trata-se de Pater Bernard Strik, ou simplesmente Ben Strik, um senhor de 88 anos, ex-partisano da guerra de 40-45, padre casado, que dedicou boa parte de sua vida sacerdotal à difusão de uma igreja verdadeiramente mais presente junto às populações pobres e carentes, principalmente nas regiões mais distantes e esquecidas do Brasil.
Sacerdote, escritor, cantor, palestrante e senhor de todas as lutas, nasceu em 1923 e lutou contra os nazistas alemães na Segunda Guerra Mundial. Sua luta contra o nazismo custou dois anos num campo de concentração na Alemanha. Depois se tornou sacerdote salesiano e em 1950 partiu para o Brasil onde trabalhou até 1972 entre indígenas, jovens e camponeses.
Voltando à Holanda, casa-se (Patty, sua esposa) e cria, já completados 75 anos, três fundações de ajuda ao Brasil: Brasil op Weg, Frei Tito de Alencar Lima e Brasilhoeve. Adepto e defensor da Teologia da Libertação, a partir daí recomeça sua peregrinação missionária pelo país, agora para sentir os resultados das sementes que havia plantado. Sempre inspirado na visão de uma igreja materialmente construtiva, se lançou ainda a outros projetos, catando recursos aqui e ali, para levar adiante seu sonho de transformação social.
[...] Ao chegar ao Brasil para cumprir sua missão, aqui estudou e trabalhou 22 anos como padre Salesiano de Dom Bosco. O reconhecimento pela sua dedicação às causas missionárias pode ser visto na profunda amizade que adquiriu junto a Dom Paulo Evaristo Arns, que com festejou naquele país baixo o segundo lustro de uma de suas fundações. Do mesmo modo mantinha estreitos laços de amizade com Dom José Brandão de Castro, falecido arcebispo da Diocese de Própria, em Sergipe, e um dos religiosos mais influentes do Nordeste.
Na sua peregrinação na aridez sertaneja, formou com os grupos de base da igreja católica uma verdadeira cruzada para ajudar os fiéis a conquistarem meios de sobrevivência digna, através do trabalho e da produção. Neste sentido, em 1986 esteve presente na primeira ocupação que os trabalhadores empobrecidos fizeram na improdutiva fazenda Barra da Onça, município de Poço Redondo, em Sergipe. Até hoje o MST reconhece o seu apoio para que as outras grandes conquistas se tornassem possíveis.
Natural da Holanda, neste e em outros países europeus empreendeu uma verdadeira via-crúcis para adquirir recursos e investimentos para serem repassados às obras sociais que criou por todo o país. Neste sentido, criou ONG’s, Associações e Fundações que continuam dando excelentes frutos em estados como Rondônia [...]”.
Desde aquele primeiro contato muitos outros se seguiram. E a amizade se fortalecera tanto que certa feita enviou-me importante e sigiloso material sobre a atuação do clero e dos movimentos sociais no sertão sergipano, tecendo críticas e mostrando, documentalmente, desvios de condutas e objetivos.
Depois de tanto silêncio a notícia triste. E revendo sua dedicatória, saudosamente avisto: Caríssimo Rangel, que a nossa luta pela verdade e pela honestidade surta efeito pelo bem dos sertanejos. Aracaju, 24/10/2011. Ben e Patty Strik.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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