Rangel Alves da Costa*
Lágrima. Nome bonito, pulsante, também
triste. Palavra sentimento, também mistério. Termo vivenciado, e quase sempre
fugido. Lágrima também poética, parecendo orvalho num pêndulo de sofrimento e
numa folha de contentamento. Lágrima feito pingo de chuva, feito seiva que se
derrama.
Lágrima que sem palavras diz tudo, que tem o
dom de sintetizar a dor e a graça. E silenciosa grita, chama, brada, confessa.
E se mostra no olhar como a chuva escorre na vidraça. Na vidraça a escrita da
saudade, do adeus, do amor, do sentimento. E nos olhos a escrita revelada pelos
mistérios da alma.
O lenço de despedida recolhe a lágrima para
guardar na saudade. A mão trêmula recolhe a lágrima para que as mãos também
chorem. Os travesseiros das noites saudosas ou dolorosas se tornam como
canteiros encharcados que escorrem as solidões noturnas. E os olhos, frágeis
demais e impotentes diante de sua chegada, simplesmente abrem seu leito
deixando escorrer pela face.
Os olhos são como leitos apenas úmidos, e
tantas vezes quase ressequidos pelas estiagens da alma. Igualmente às fontes
que vão se enchendo segundo as chuvas que caem ou as águas que descem das
ribanceiras, também os olhos vão sendo tomadas de água segundo o clima
emocional existente em cada ser.
Nos leitos, nas fontes e córregos, são as intensidades
das chuvas que determinam o momento e a quantidade de acúmulo de água. No ser
humano, são as consequências dos encontros e desencontros, das realizações e
das perdas, que passam a refletir a meteorologia da alma. E dificilmente haverá
alguém que de repente abdique de seu deserto para fazer surgir nos olhos um
oásis.
Conceitualmente, a lágrima é única, possui um
só entendimento, eis que sempre vista como o líquido incolor que se derrama dos
olhos como consequência de uma causa física ou emocional. É um fluído lacrimal
que desce da nuvem dos olhos segundo a paisagem do instante seja de tristeza,
alegria, comoção ou contentamento.
Assim, lágrima sempre denota líquido, fluído,
um fio d’água que surge no olhar e vai se derramando, se espalhando na face.
Contudo, de forma totalmente diversificada é a predisposição do olhar para
fazê-la fluir, seja apenas como uma pequena gota ou como verdadeira enxurrada.
Muitas vezes, mesmo que somente os olhos
fiquem marejados ou apenas um grãozinho lacrimal se esconda pelo canto do olho,
ainda assim um verdadeiro oceano se esconde lá dentro. Noutras vezes, por mais
que o mar se derrame inteiro não terá maior força e significado que aquele pinguinho
que timidamente surgiu.
O mar chorado, o oceano derramado, a fonte
jorrando, o grão de lágrima ou apenas sua réstia no olhar, nada disso consegue
traduzir o sentimento brotado lá no nascedouro, no íntimo, nas correntes da
alma. Por isso mesmo que chorar pouco ou muito não significa muito diante das
motivações interiores, das causas predispondo ao pranto.
A dor íntima, o sofrimento interior, nem
sempre precisam de lágrimas para se expressar. Muita gente chora, avermelha a
face, afogueia os olhos, mas não derrama uma lágrima sequer. E não significa
que sofra menos, que a sua dor seja inferior àquela chorada em rios. Pessoas
assim sofrem ainda mais porque é o íntimo que pranteia, e ao fazer isto
fragilizam todo o organismo.
O mesmo ocorre com a alegria intensa, com
aquela surpresa tão boa surgida que a pessoa de repente se põe a chorar. É o
avesso da dor que também desperta o sentimento e permite que organismo seja
chamado a participar dessa alegria, sob pena de aprisionar os prazeres da vida.
As lágrimas surgidas e derramadas são menos intensas, mais passageiras, mas
ainda assim expressando toda a força do momento.
O choro, por mais triste que seja, faz
desaguar os sofrimentos represados. E as lágrimas vão tomando seu rumo pelo
curso adiante. Bom seria que igualmente ao rio suas águas não escorressem pelos
mesmos leitos dos sofrimentos.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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