Rangel Alves da Costa*
Não se imagine que o título acima objetiva
analisar a obra homônima de Dan Brown, o filme do mesmo nome ou cuidar de
mensageiros celestiais frente aos anjos caídos. Também não cuida de nenhum tema
religioso dividindo céticos e crédulos. O confronto entre os seres angelicais,
nas suas mais diversas hierarquias, com aqueles que um dia foram da casta dos
céus e que se tornaram entes do mal por desobediência, demandaria um estudo de
cunho religioso e não um simples texto voltado para outros seres terrenos.
Terrenos, pecadores e degradados.
A dualidade é a mesma, tendo de um lado
pessoas supostamente inofensivas e de outro lado indivíduos que foram
transformados pelo mal para transformarem-se a si mesmos e o seu meio. Contudo,
seja pela feição inofensiva de uns e o caráter repulsivo de outros, o que os
caracteriza indistintamente é o preconceito social pelas suas práticas,
discriminada e não aceita em uns e deplorada e inadmitida em outros. Pode
parecer estranho, mas os anjos bons aqui referidos de vez em quando são
apedrejados pela sociedade.
Como visto, os anjos ora abordados não se
relacionam nem com os céus nem com as trevas, eis que pessoas de carne e osso,
com famílias, convivendo socialmente, agindo como seres humanos comuns. Mas não
vistos como normais, pois são anjos bons e anjos maus cujas asas seriam
prazerosamente cortadas por muitos e cujas existências muitas vezes são tidas
como exemplo maior do mundanismo, da devassidão, da perdição e do desamor a si
próprio. E tais anjos e demônios estão logo ali, convivendo nos arredores
centrais da cidade, principalmente na Rua Professor Florentino Menezes.
É nesta rua, no trecho entre a Av. Dr. Carlos
Firpo e a Apulcro Mota, que diuturnamente se avista o céu e o inferno em
conjunção. Nas calçadas do referido trecho fazem ponto e quase moradia prostitutas
e drogados, mulheres de programa e viciados, velhas meretrizes e reles
traficantes. Ali o paraíso do comércio barato do sexo, dos rostos
demasiadamente pintados à espera de clientes, das pousadas como fachada para
verdadeiros bordéis. E também local da droga passando de mão em mão,
experimentada sem medo pelas calçadas, à vista de qualquer um. A realidade do
vício e do tráfico é ali tão alarmante que logo se imagina o surgimento de uma
cracolândia aracajuana.
Logo ao lado da região central da cidade,
numa rua de grande comércio e movimentação de pessoas, mas nada parece
incomodar quem faz dali o paraíso para o sexo e a droga. Desde as primeiras
horas da manhã pessoas já são avistadas iniciando os seus ofícios do dia. Seis
horas da manhã e algumas prostitutas já se avizinham às portas dos bares e
escadarias das pousadas. E também as calçadas já estão tomadas por viciados
fazendo uso de crack, comercializando pequenas quantidades de drogas. Quem
passa pelo local em direção ao mercado tem que se deparar com aquela realidade.
E pode passar multidões que os usuários continuam fumando, cheirando, inalando,
como se nada estivesse acontecendo ao redor.
São os anjos que por ali fazem pouso e
moradia. As prostitutas e os drogados são os anjos terrenos que ali encontram
seus paraísos e seus fogaréus aflitivos. As mulheres vivendo à espreita de um
algum cliente, de qualquer sujeito que se disponha “fazer amor” por dois contos
de réis e mantenha sexualmente vivo o mais antigo dos comércios. E os viciados
e pequenos traficantes, ali já próximos à sarjeta e esperando que mais outros
cheguem para a eles se juntarem na queda ao abismo. Elas que nenhum mal maior
ocasionam. E eles, uns anjos caídos agindo para aniquilar vidas, destruir
futuros, devastar famílias e esperanças.
Certamente que tanto uns como outros possuem
aspectos em comum. A prostituição e a droga são comércios, de corpo e de vida
(ou morte). O meretrício se perfaz na venda do corpo, do sexo, para um momento
de prazer, enquanto o vício se concretiza na aquisição do entorpecente para o
uso e o falso deleite momentâneo do usuário. Mas um aspecto os diferencia
muito. As prostitutas que ali fazem vida são, com relação aos drogados e
traficantes, verdadeiros anjos. E anjos dividindo espaço com os demônios sucumbidos
pelas drogas.
E por diversas razões as prostitutas podem
ser vistas como verdadeiros anjos bons diante daqueles anjos caídos. Desde muito
tempo que elas ocupam aquele espaço para o seu metiê cotidiano. Sentadas num
conhecido barzinho, vigilantes ao pé das escadarias das pousadas, pelas
esquinas ou no vai e vem pelos arredores, assim passam os seus dias sem
incomodar ninguém. Impregnam o ar com o cheiro forte de perfume barato, põem em
polvorosa os espelhos diante de tanta pintura, de decotes, enfeites e batons
avermelhados. Mas não provocam nenhum aborrecimento aos que por ali passam ou
trabalham.
Diferentemente ocorre com os seres do mal que
nos últimos tempos resolveram transformar o paraíso das prostitutas num
verdadeiro inferno. Ali o tártaro, o abismo, as trevas dos viciados. Talvez
imaginem ser aquele trecho um local de prazer e fruição da vida. Mas agem como
verdadeiros demônios que devoram não só a si mesmos como chamam para suas
trevas dezenas de jovens e adultos que por ali são avistados aproveitando a
inoperância da segurança pública.
E ali também o Inferno de Dante. Mesmo as
prostitutas como seres angelicais perante os anjos caídos, também amargam suas
dores e sofrimentos. Vivem no purgatório sonhando alcançar o paraíso. Os
outros, aqueles que imaginam ser a vida das drogas uma divina comédia, logo vão
encontrando seus infernos e seus suplícios.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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