SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ANJOS E DEMÔNIOS


Rangel Alves da Costa*


Não se imagine que o título acima objetiva analisar a obra homônima de Dan Brown, o filme do mesmo nome ou cuidar de mensageiros celestiais frente aos anjos caídos. Também não cuida de nenhum tema religioso dividindo céticos e crédulos. O confronto entre os seres angelicais, nas suas mais diversas hierarquias, com aqueles que um dia foram da casta dos céus e que se tornaram entes do mal por desobediência, demandaria um estudo de cunho religioso e não um simples texto voltado para outros seres terrenos. Terrenos, pecadores e degradados.
A dualidade é a mesma, tendo de um lado pessoas supostamente inofensivas e de outro lado indivíduos que foram transformados pelo mal para transformarem-se a si mesmos e o seu meio. Contudo, seja pela feição inofensiva de uns e o caráter repulsivo de outros, o que os caracteriza indistintamente é o preconceito social pelas suas práticas, discriminada e não aceita em uns e deplorada e inadmitida em outros. Pode parecer estranho, mas os anjos bons aqui referidos de vez em quando são apedrejados pela sociedade.
Como visto, os anjos ora abordados não se relacionam nem com os céus nem com as trevas, eis que pessoas de carne e osso, com famílias, convivendo socialmente, agindo como seres humanos comuns. Mas não vistos como normais, pois são anjos bons e anjos maus cujas asas seriam prazerosamente cortadas por muitos e cujas existências muitas vezes são tidas como exemplo maior do mundanismo, da devassidão, da perdição e do desamor a si próprio. E tais anjos e demônios estão logo ali, convivendo nos arredores centrais da cidade, principalmente na Rua Professor Florentino Menezes.
É nesta rua, no trecho entre a Av. Dr. Carlos Firpo e a Apulcro Mota, que diuturnamente se avista o céu e o inferno em conjunção. Nas calçadas do referido trecho fazem ponto e quase moradia prostitutas e drogados, mulheres de programa e viciados, velhas meretrizes e reles traficantes. Ali o paraíso do comércio barato do sexo, dos rostos demasiadamente pintados à espera de clientes, das pousadas como fachada para verdadeiros bordéis. E também local da droga passando de mão em mão, experimentada sem medo pelas calçadas, à vista de qualquer um. A realidade do vício e do tráfico é ali tão alarmante que logo se imagina o surgimento de uma cracolândia aracajuana.
Logo ao lado da região central da cidade, numa rua de grande comércio e movimentação de pessoas, mas nada parece incomodar quem faz dali o paraíso para o sexo e a droga. Desde as primeiras horas da manhã pessoas já são avistadas iniciando os seus ofícios do dia. Seis horas da manhã e algumas prostitutas já se avizinham às portas dos bares e escadarias das pousadas. E também as calçadas já estão tomadas por viciados fazendo uso de crack, comercializando pequenas quantidades de drogas. Quem passa pelo local em direção ao mercado tem que se deparar com aquela realidade. E pode passar multidões que os usuários continuam fumando, cheirando, inalando, como se nada estivesse acontecendo ao redor.
São os anjos que por ali fazem pouso e moradia. As prostitutas e os drogados são os anjos terrenos que ali encontram seus paraísos e seus fogaréus aflitivos. As mulheres vivendo à espreita de um algum cliente, de qualquer sujeito que se disponha “fazer amor” por dois contos de réis e mantenha sexualmente vivo o mais antigo dos comércios. E os viciados e pequenos traficantes, ali já próximos à sarjeta e esperando que mais outros cheguem para a eles se juntarem na queda ao abismo. Elas que nenhum mal maior ocasionam. E eles, uns anjos caídos agindo para aniquilar vidas, destruir futuros, devastar famílias e esperanças.
Certamente que tanto uns como outros possuem aspectos em comum. A prostituição e a droga são comércios, de corpo e de vida (ou morte). O meretrício se perfaz na venda do corpo, do sexo, para um momento de prazer, enquanto o vício se concretiza na aquisição do entorpecente para o uso e o falso deleite momentâneo do usuário. Mas um aspecto os diferencia muito. As prostitutas que ali fazem vida são, com relação aos drogados e traficantes, verdadeiros anjos. E anjos dividindo espaço com os demônios sucumbidos pelas drogas.
E por diversas razões as prostitutas podem ser vistas como verdadeiros anjos bons diante daqueles anjos caídos. Desde muito tempo que elas ocupam aquele espaço para o seu metiê cotidiano. Sentadas num conhecido barzinho, vigilantes ao pé das escadarias das pousadas, pelas esquinas ou no vai e vem pelos arredores, assim passam os seus dias sem incomodar ninguém. Impregnam o ar com o cheiro forte de perfume barato, põem em polvorosa os espelhos diante de tanta pintura, de decotes, enfeites e batons avermelhados. Mas não provocam nenhum aborrecimento aos que por ali passam ou trabalham.
Diferentemente ocorre com os seres do mal que nos últimos tempos resolveram transformar o paraíso das prostitutas num verdadeiro inferno. Ali o tártaro, o abismo, as trevas dos viciados. Talvez imaginem ser aquele trecho um local de prazer e fruição da vida. Mas agem como verdadeiros demônios que devoram não só a si mesmos como chamam para suas trevas dezenas de jovens e adultos que por ali são avistados aproveitando a inoperância da segurança pública.
E ali também o Inferno de Dante. Mesmo as prostitutas como seres angelicais perante os anjos caídos, também amargam suas dores e sofrimentos. Vivem no purgatório sonhando alcançar o paraíso. Os outros, aqueles que imaginam ser a vida das drogas uma divina comédia, logo vão encontrando seus infernos e seus suplícios.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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