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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A VIDA SEGUNDO O ECLESIASTES


Rangel Alves da Costa*


Não há dúvidas que o Eclesiastes é o livro da vida. Muito mais que relatos bíblicos, lições e sabedorias, nele são encontrados os fundamentos da própria existência humana. E nele também a certeza que nada é perene, possui uma só feição, que nada será amanhã na mesma forma que hoje se apresenta. Daí a mutabilidade nos seres, nas coisas, nas situações. E por isso mesmo ser um livro de encorajamento e esperança, vez que sempre mostrando uma porta aberta para que o novo aconteça.
Não apenas de encorajamento e esperança, mas também de prudência e vigilância é o Livro do Eclesiastes. Precisamente por mostrar que o que se apresenta hoje amanhã poderá ser visto de outro modo, deixa induvidoso que o homem deve se precaver para não ser surpreendido com o novo que inevitavelmente surgirá. É como se pretendesse colocar o homem em alerta sobre suas próprias ações, vez que mais tarde será cobrado ou recompensado pelo que praticou num dado momento de sua vida.
Do início ao fim, o Eclesiastes trata da face e de sua outra feição, do verso e do reverso, do sim e do não em tudo na vida. Não deixa de possuir um caráter pessimista, mas assim o faz para dizer que as ilusões humanas não devem se sobrepor às realidades da vida. E assim nega que as coisas simplesmente acontecem e sempre acontecerão segundo os ditames do próprio homem. E assim também afirma que somente a retidão nas ações e o amor a Deus permitem que o destino dos seres se concretize sem mais dores e sofrimentos.
Numa primeira visão, até poderia se supor ser um livro com ensinamentos previsíveis demais, vez que comumente o homem deve reconhecer que tudo muda, tudo se transforma, e por isso mesmo deve estar preparado para o que mais tarde lhe possa acontecer. Mas não se limita a isso exatamente por justificar, por dizer o porquê de haver as mudanças e transformações. Contudo, o mais importante é que coloca o homem como de fundamental importância perante o seu destino. Deus acolhe e reconhece as boas ações, mas cabe ao homem mostrar os seus feitos para julgamento.
Basta a citação do capítulo terceiro para que se comprove a fragilidade e a força da vida, a opulência e a derrocada do homem, o sentido da permanência e da transformação nos seres e nas coisas do mundo. E em tudo, no homem, na existência, nas relações de vida. E assim porque é necessário perecer para renascer, é necessário sentir as consequências das atitudes para melhor aprender agir. Enfim, o seu objetivo maior é dizer que tudo passa, tudo é efêmero, que não se deve iludir com as realidades momentâneas, pois há um tempo para tudo. Mas deixai que fale o Eclesiastes:
“Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer e tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir; tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz. O que ganha o trabalhador com todo o seu esforço? Tenho visto o fardo que Deus impôs aos homens. Ele fez tudo apropriado ao seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim ele não consegue compreender inteiramente o que Deus fez. Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive...”.
Como observado, não adianta a vida sob a auréola das vaidades, das presunções, das arrogâncias. Será preciso ter em mente as lições de que nada é permanente, nada é tão duradouro como se imagina, até mesmo porque nada se exaure na vida terrena. Será necessário jamais imaginar que o mar calmo e azul de agora terá a mesma calmaria e a mesma cor mais adiante. As estações mudam, as folhas perdem sua cor e seu viço para a morte e o renascimento. Se um dia a primavera, mais tarde a vez do outono. Por isso mesmo nada permanecerá eternamente do jeito que se mostra diante do olhar. O sol nasce e o sol se põe, há a alegria do nascimento e a tristeza na morte.
Então, por que o homem não atenta para o mínimo existencial? Decerto que jamais conseguirá manter o que deseja na forma que desejar, mas poderá não se deixar surpreender com o que virá amanhã. Precisa fazer assim para não se contrapor aos planos de Deus, eis que incorrerá no risco de forçar permanências que não se justificam por si mesmas. E o pior: ao invés de reconhecer a mutabilidade da vida e assim procurar semear um amanhã melhor, fará com que não se torne merecedor das boas recompensas que virão. E a dor não cessará para a chegada do conforto, e a o sofrimento não cessará para a chegada da paz.
Cabe ao homem decidir. Deus ensinou-lhe como tudo acontece. E tudo está escrito no Livro de Eclesiastes. O bom grão permite a boa colheita, e vice e versa, em tudo. E a ele caberá escolher a colheita que deseja no seu amanhã.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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