Rangel Alves da Costa*
A dádiva de nascer, de fazer parte do mundo e
da vida, está permeada de muitas significações. Não se dá por acaso o
nascimento nem a existência de uma pessoa. Faz parte dos planos superiores que
a vinda ao mundo ocorra em determinadas condições e lugar, predispondo o indivíduo
perante o seu meio, perante o seu berço de nascimento.
Logo se tem que muito significa o nascimento
num determinado lugar. Diante da imensidão do mundo, nascer neste ou naquele
pedaço de chão é algo para ser profundamente considerado. Ora, já estava
escrito que aquela pessoa nasceria, mas onde, em qual lugar, em qual família?
Talvez no sul ou no norte, mas acabou vindo à luz num lugar bem diferente.
Apenas para exemplificar.
Mas o fato de nascer num ou noutro lugar vai
gerando importantes consequências. E talvez o reconhecimento e o amor pela
terra, pelo seu leito de nascimento, sejam os mais importantes e aqueles que
vão sendo aprimorados pela vida inteira. Daí que muitos lutam e defendem seu
chão com insistência, não admitem menosprezos ou usurpações. E não foram poucas
as batalhas travadas pelos filhos em nome de sua terra-mãe.
Negros escravos travaram batalhas de morte em
defesa de seus refúgios quilombolas, comunidades inteiras se levantaram com
armas em punho para lutar contra investidas forasteiras, indígenas se alongam
em vinditas para que o branco não usurpe a morada de seus deuses e antepassados.
Não foram poucas as lutas coloniais em nome do nativismo e na defesa da terra
contra as invasões e desmandos estrangeiros. Muitos tombaram nessa luta e
tantos outros ainda são vitimados por invasores que se acham no direito de
esbulhar raízes e histórias de uma vida inteira.
O berço de nascimento acaba, assim, se
transformando numa razão de vida para muitos. Não importa que tenha nascido em
lugar rico ou pobre, num celeiro desenvolvimentista ou nas brenhas distantes de
um sertão esturricado, nada disso importa. Não importa que o seu lugar seja
marcado por feitos históricos ou geográficos ou que se mantenha no vão do
esquecimento. O que importa mesmo é ter nascido ali e o orgulho consequente
desse nascimento.
Não raro que a terra acabe também moldando a
feição, a personalidade, o jeito de ser da pessoa. Sabido é que o meio possui
grande influência na formação humana, no temperamento e aptidões. Assim,
nascidos, por exemplo, em regiões sulistas, possuem características
diferenciadas daqueles nascidos nos interiores molhados das regiões amazônicas.
O mesmo se diga com relação ao nordestino perante povos nascidos noutros
lugares.
Os sulistas possuem feições próprias, como os
nordestinos e nortistas. Tais feições trazem consigo predisposições
diferenciadas, seja para ser mais pacífico ou mais combativo, seja para o
trabalho na terra ou para outros ofícios. Alguns lidam com rebanhos, outros são
mestres nas vaquejadas; alguns fazem dos rios seus meios de sobrevivência,
outros plantam e colhem para subsistir. Mas todos eles, indistintamente,
refletem o seu meio de nascimento.
E por que os locais de nascimento geram
pessoas com características próprias, em obediência às predisposições do lugar,
é que se tem multiplicidade nos aspectos físicos, na cor da pele, nos ofícios,
nos jeitos de ser e de se expressar. Consequência disso são as diversificações
culturais, as tradições e manifestações que nascem e se enraízam em cada povo.
Por isso também que cada comunidade possui peculiaridades próprias, aspectos
nem sempre observados até mesmo nas vizinhanças.
As diferenças podem ser observadas até mesmo
dentro duma mesma região, dependendo da área onde se situa o recorte da
população. Na região nordestina, por exemplo, podem ser encontradas feições
diferenciadas num mesmo povo. O povo sertanejo, da região interiorana mais
árida e seca, possui um jeito próprio de viver que se diferencia muito daqueles
nascidos nas áreas litorâneas. Contudo, o orgulho nordestino, o amor sentido
pela terra, parece não sofrer qualquer distinção.
O senso de nordestinidade, como termo cunhado
para mostrar o orgulho pela terra de nascimento, exemplifica bem o quanto a
pessoa se envolve com suas raízes e passa a se conduzir erguendo sua bandeira
natal. Tais aspectos são ainda mais observados na região sertaneja, onde os da
terra sentem prazer em alardear o orgulho de filhos do sol e da lua, irmãos da
catingueira e do bicho do mato, sempre encorajados para o enfrentamento de
todas as dificuldades que o meio apresente.
A verdade é que a terra enraíza também o seu
filho, e quanto mais amor sentido mais entrelaçamento haverá entre um e outro.
Não são poucos os que cantam seus antepassados, suas raízes, sua história. E
não fazem isso senão como reconhecimento e declaração de amor ao berço de
primeira acolhida. E quanto mais unido ao chão de vivência, mais um só corpo
para existir, como aquela força da terra e aquela feição mista de humano e
natureza na gente sertaneja, como observado por Euclides da Cunha.
Por isso meu orgulho sertanejo, meu imenso
prazer em ter vindo ao mundo no mesmo chão onde corre o calango e o preá e
tendo no olhar a grandeza da lua e do sol do sertão. E ter todo matuto como
irmão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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