Rangel Alves da Costa*
Tenho um amigo e colega de profissão que
andava sumido e neste sábado apareceu de repente. Eu estava no banho e já o
encontrei sentado no sofá do escritório. Logo estranhei que em pleno sábado,
num calor terrível e insuportável, ele estivesse com roupa nos moldes
cotidianos. Contudo, chegando mais perto também percebi mudanças na sua feição.
Estava numa tristeza espantosa. Mas achei que
podia ser uma falsa percepção e lancei palavras alegres esperando uma resposta
boa. Não houve jeito, pois a tristeza parecia petrificada no olhar e na feição
inteira. Então logo fiquei sabendo da razão de estar assim: sua esposa, com um
quadro oncológico terminal e após sofrimentos terríveis, estava sedada num
hospital e esperando apenas o instante da expiração da vida.
Impossível reproduzir como foi o diálogo daí
em diante. Disse-me que depois de tanto tempo acompanhando seu sofrimento e já
consciente que não haveria mais cura para a enfermidade, até achava estar
preparado para quando o pior acontecesse. Mas não, pois sentia, nestes momentos
mais difíceis, que nenhuma força lhe restava para suportar tal situação. É como
se tivesse acostumado com o sofrimento e não acreditasse que a morte pudesse se
aproximar assim tão impiedosa.
Conheço o casal desde alguns anos e sempre
mantive estreita amizade. Desde algum tempo que acompanhava o sofrimento
advindo com essa doença que se instalou no seu corpo e depois foi se alastrando
em metástase. Ela sempre se mostrou com força incomum diante da progressão da doença,
sempre se mostrou alegre e com uma vontade imensa de vida. Através dele
conhecia toda sua aflição, mas na presença era como se tudo estivesse sendo
resolvido na melhor maneira possível.
Com o corpo já fragilizado pela propagação da
enfermidade e também pelas consequências das fortes medicações, permanecia num
pêndulo de existência. Mas tudo tem um limite de suportabilidade. A doença
vence o remédio, a enfermidade derrota a ciência médica, a esperança aos poucos
vai tendo de se acostumar com a realidade. E em casos tais, em situações
irreversíveis, só resta mesmo esperar o fatídico. Mas como disse o amigo,
ninguém jamais está preparado para aceitar tal situação.
Sua situação estava deveras desoladora. Não
era para ser diferente. A esposa ainda jovem, filhos adolescentes, e uma
iminência de perda irreparável. E daí todo um refazimento de vida e
consequências difíceis de imaginar. Desde muito que os filhos também vinham
sofrendo com a situação da mãe e já conscientes que nada na medicina poderia
amenizar o estágio da doença, pois tudo já tentado e feito. E só mesmo
esperando os milagres de Deus.
As circunstâncias aumentam ainda mais o
sofrimento. Ninguém viverá eternamente, e todos sabem bem disso. Contudo, não
há nada mais doloroso que saber que alguém do seio familiar aos poucos vai
sendo fatalmente consumido. Não há percurso mais cruel que os dias ou os meses
contados de vida, que a certeza de a qualquer instante estar diante de um
adeus. Imagine-se quanta aflição a perda lenta e inevitável. Imagine-se quanta
dor um esposo saber que sua amada está voltando para os braços do Pai.
Imagine-se o sofrimento dos filhos, dos irmãos, dos familiares e dos amigos.
E a dor maior: saber que nada pode ser feito.
Eu mesmo já vivi situação muito parecida. Perdi minha mãe em 2009 e meu pai em
2012 também através desse percurso de sofrimento. Indescritível o sentimento
daquele que sabe que vai partir e ter de olhar nos olhos de cada um dos seus
como despedida. Indescritível o sentimento daquele que sabe que está se despedindo
de quem tanto ama.
A face mais cruel da morte: olhares que se
cruzam em adeus, abraços que se apertam em despedida, silêncios que gritam e
lágrimas que se retraem no instante. Pode não ser no momento seguinte, mas o
lenço de adeus já começa a chorar.
E antes dessa postagem a confirmação do
falecimento, após a madrugada deste domingo, 18 de janeiro de 2015. Que Deus a
acolha em seus braços!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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