SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 18 de janeiro de 2015

SOFRIMENTO E DOR


Rangel Alves da Costa*


Tenho um amigo e colega de profissão que andava sumido e neste sábado apareceu de repente. Eu estava no banho e já o encontrei sentado no sofá do escritório. Logo estranhei que em pleno sábado, num calor terrível e insuportável, ele estivesse com roupa nos moldes cotidianos. Contudo, chegando mais perto também percebi mudanças na sua feição.
Estava numa tristeza espantosa. Mas achei que podia ser uma falsa percepção e lancei palavras alegres esperando uma resposta boa. Não houve jeito, pois a tristeza parecia petrificada no olhar e na feição inteira. Então logo fiquei sabendo da razão de estar assim: sua esposa, com um quadro oncológico terminal e após sofrimentos terríveis, estava sedada num hospital e esperando apenas o instante da expiração da vida.
Impossível reproduzir como foi o diálogo daí em diante. Disse-me que depois de tanto tempo acompanhando seu sofrimento e já consciente que não haveria mais cura para a enfermidade, até achava estar preparado para quando o pior acontecesse. Mas não, pois sentia, nestes momentos mais difíceis, que nenhuma força lhe restava para suportar tal situação. É como se tivesse acostumado com o sofrimento e não acreditasse que a morte pudesse se aproximar assim tão impiedosa.
Conheço o casal desde alguns anos e sempre mantive estreita amizade. Desde algum tempo que acompanhava o sofrimento advindo com essa doença que se instalou no seu corpo e depois foi se alastrando em metástase. Ela sempre se mostrou com força incomum diante da progressão da doença, sempre se mostrou alegre e com uma vontade imensa de vida. Através dele conhecia toda sua aflição, mas na presença era como se tudo estivesse sendo resolvido na melhor maneira possível.
Com o corpo já fragilizado pela propagação da enfermidade e também pelas consequências das fortes medicações, permanecia num pêndulo de existência. Mas tudo tem um limite de suportabilidade. A doença vence o remédio, a enfermidade derrota a ciência médica, a esperança aos poucos vai tendo de se acostumar com a realidade. E em casos tais, em situações irreversíveis, só resta mesmo esperar o fatídico. Mas como disse o amigo, ninguém jamais está preparado para aceitar tal situação.
Sua situação estava deveras desoladora. Não era para ser diferente. A esposa ainda jovem, filhos adolescentes, e uma iminência de perda irreparável. E daí todo um refazimento de vida e consequências difíceis de imaginar. Desde muito que os filhos também vinham sofrendo com a situação da mãe e já conscientes que nada na medicina poderia amenizar o estágio da doença, pois tudo já tentado e feito. E só mesmo esperando os milagres de Deus.
As circunstâncias aumentam ainda mais o sofrimento. Ninguém viverá eternamente, e todos sabem bem disso. Contudo, não há nada mais doloroso que saber que alguém do seio familiar aos poucos vai sendo fatalmente consumido. Não há percurso mais cruel que os dias ou os meses contados de vida, que a certeza de a qualquer instante estar diante de um adeus. Imagine-se quanta aflição a perda lenta e inevitável. Imagine-se quanta dor um esposo saber que sua amada está voltando para os braços do Pai. Imagine-se o sofrimento dos filhos, dos irmãos, dos familiares e dos amigos.
E a dor maior: saber que nada pode ser feito. Eu mesmo já vivi situação muito parecida. Perdi minha mãe em 2009 e meu pai em 2012 também através desse percurso de sofrimento. Indescritível o sentimento daquele que sabe que vai partir e ter de olhar nos olhos de cada um dos seus como despedida. Indescritível o sentimento daquele que sabe que está se despedindo de quem tanto ama.
A face mais cruel da morte: olhares que se cruzam em adeus, abraços que se apertam em despedida, silêncios que gritam e lágrimas que se retraem no instante. Pode não ser no momento seguinte, mas o lenço de adeus já começa a chorar.
E antes dessa postagem a confirmação do falecimento, após a madrugada deste domingo, 18 de janeiro de 2015. Que Deus a acolha em seus braços!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: