Rangel Alves da Costa*
O inusitado gosta de acontecer nas principais
ruas, praças e avenidas de capitais. E muito mais quando se trata de centros
comerciais apinhados de gente. E em Aracaju não é diferente, mesmo sendo uma
capital apenas mediana. Nos seus calçadões se encontra de tudo, mas de tudo
mesmo.
Ninguém caminha pelo calçadão da João Pessoa
– principal centro comercial – sem estar ouvindo gritarias de vendedores de
chips. São dezenas nos mesmos trechos, gritando na maior altura do mundo. E por
todo lugar mocinhas e rapazes insistindo a todo custo para que faça cartão de loja.
E outros tomando a frente e em seguida puxando pelo braço, arrastando
praticamente à força para que faça cartão de crédito.
Baboseira igual somente pelos arredores, nas
lojas de roupas e objetos de cama e banho e seus anunciantes de microfone em
punho, e cada um aumentando cada vez mais o volume para o anúncio de ofertas. E
não há nada mais repulsivo que locutores de porta de loja. Sempre se achando os
maiorais, dão entonação tão ridícula às vozes que mais parecem locutores de fm
desempregados. Ou ali para serem ouvidos e convidados para algum estúdio da
vida.
Mas nem tudo é tão insuportável assim, pois
algumas situações avistadas diminuem o desconforto da caminhada pelo centro
comercial. Mas ainda causa espanto perceber o quanto as pessoas se iludem com
qualquer um que faça um truque, uma mágica ou faça uma boneca de pano dançar.
Avista-se uma multidão num determinado local e ao se encaminhar até lá para
verificar a extensão do acontecido, logo se percebe uma gente pasmada ante um
espertalhão com truque qualquer. E ganhando dinheiro com isso.
Nos calçadões também se percebe o quanto as
pessoas gostam do que não presta e negam tudo que tenha valor cultural. São
capazes de fazer enormes aglomerações ao redor de um ilusionista, mas não dão à
mínima atenção aos espetáculos teatrais que são encenados de vez em quando. O
bom e autêntico teatro de rua ali chega e sai com pouquíssima assistência e
muito menos aplausos. Lamentável que assim aconteça nas ruas de Ará.
Dentre as tantas figuras estranhas que por
ali fazem ponto, duas merecem destaques: um cangaceiro e um profeta. Quem
quiser passar por lá vai avistar o cangaceiro no primeiro trecho do calçadão da
João Pessoa, e o profeta mais adiante, geralmente na esquina com o calçadão da
Laranjeiras. Apenas cerca de quinhentos metros separa o temido justiceiro das
caatingas daquele de Bíblia tosca à mão pregando o fim do mundo pela maldade do
homem. Ou coisa que o valha, pois mistura tudo nas profecias enlouquecidas.
Só mesmo sendo cangaceiro para suportar o que
aquele sujeito aguenta. Fazendo papel de homem-estátua para ganhar qualquer
vintém, pintado de laminado no corpo inteiro, ou do chapéu estrelado à
alpercata de couro cru, todo paramentado de cartucheira e embornal, o sujeito
sobe num banquinho e ali permanece a tarde inteira, e sem piscar um olho, todo
petrificado. Não adianta nem dizer que a polícia volante está no encalço do
bandoleiro.
Logo se imagina quanto difícil a vida do
cangaceiro. Os de verdade sofriam na mata, debaixo do sol escaldante, se
arrastando por cima de espinhos e carrascais, mas se reviravam de canto a outro
como fuga ou alento. Mas esse não. Debaixo dum sol danado, num calor de lascar,
sem qualquer ventilação que amaine a queimação no juízo, e ele ali totalmente
imobilizado. E tendo de sentir a ingratidão das pessoas, de tantos e tantos que
passam sem prestar qualquer atenção, e de quase todos que não colocam qualquer
moeda na latinha adiante do banquinho.
Mais adiante o profeta. Ou maluco mesmo. Já
era meio doido quando o conheci estudando na UFS, porém foi enlouquecendo ainda
mais. Não está de todo insano, pois logo me reconhece no brilho do olhar, e até
responde quando o cumprimento. Mas, de resto, uma coisa do outro mundo. Sempre
em pé no meio da esquina, com roupa surrada e paletó envelhecido, gesticula com
uma velha Bíblia sempre fechada à mão, e fala sem parar. Já rouco de tanto
esforço na voz, mas fala o mais que pode.
Mas é melhor ninguém parar para ouvir o
profeta. Suas pregações não defendem nem santos nem humanos. Coloca todos numa
panelinha só. Até contra Deus pronuncia impropérios. Deixa o papa numa situação
deplorável e não diz nada de bom da igreja. Numa situação tal o mundo tem de
acabar mesmo, segundo as profecias malucas do profeta insano.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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