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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O CANGACEIRO E O PROFETA NO CENTRO DE ARACAJU


Rangel Alves da Costa*


O inusitado gosta de acontecer nas principais ruas, praças e avenidas de capitais. E muito mais quando se trata de centros comerciais apinhados de gente. E em Aracaju não é diferente, mesmo sendo uma capital apenas mediana. Nos seus calçadões se encontra de tudo, mas de tudo mesmo.
Ninguém caminha pelo calçadão da João Pessoa – principal centro comercial – sem estar ouvindo gritarias de vendedores de chips. São dezenas nos mesmos trechos, gritando na maior altura do mundo. E por todo lugar mocinhas e rapazes insistindo a todo custo para que faça cartão de loja. E outros tomando a frente e em seguida puxando pelo braço, arrastando praticamente à força para que faça cartão de crédito.
Baboseira igual somente pelos arredores, nas lojas de roupas e objetos de cama e banho e seus anunciantes de microfone em punho, e cada um aumentando cada vez mais o volume para o anúncio de ofertas. E não há nada mais repulsivo que locutores de porta de loja. Sempre se achando os maiorais, dão entonação tão ridícula às vozes que mais parecem locutores de fm desempregados. Ou ali para serem ouvidos e convidados para algum estúdio da vida.
Mas nem tudo é tão insuportável assim, pois algumas situações avistadas diminuem o desconforto da caminhada pelo centro comercial. Mas ainda causa espanto perceber o quanto as pessoas se iludem com qualquer um que faça um truque, uma mágica ou faça uma boneca de pano dançar. Avista-se uma multidão num determinado local e ao se encaminhar até lá para verificar a extensão do acontecido, logo se percebe uma gente pasmada ante um espertalhão com truque qualquer. E ganhando dinheiro com isso.
Nos calçadões também se percebe o quanto as pessoas gostam do que não presta e negam tudo que tenha valor cultural. São capazes de fazer enormes aglomerações ao redor de um ilusionista, mas não dão à mínima atenção aos espetáculos teatrais que são encenados de vez em quando. O bom e autêntico teatro de rua ali chega e sai com pouquíssima assistência e muito menos aplausos. Lamentável que assim aconteça nas ruas de Ará.
Dentre as tantas figuras estranhas que por ali fazem ponto, duas merecem destaques: um cangaceiro e um profeta. Quem quiser passar por lá vai avistar o cangaceiro no primeiro trecho do calçadão da João Pessoa, e o profeta mais adiante, geralmente na esquina com o calçadão da Laranjeiras. Apenas cerca de quinhentos metros separa o temido justiceiro das caatingas daquele de Bíblia tosca à mão pregando o fim do mundo pela maldade do homem. Ou coisa que o valha, pois mistura tudo nas profecias enlouquecidas.
Só mesmo sendo cangaceiro para suportar o que aquele sujeito aguenta. Fazendo papel de homem-estátua para ganhar qualquer vintém, pintado de laminado no corpo inteiro, ou do chapéu estrelado à alpercata de couro cru, todo paramentado de cartucheira e embornal, o sujeito sobe num banquinho e ali permanece a tarde inteira, e sem piscar um olho, todo petrificado. Não adianta nem dizer que a polícia volante está no encalço do bandoleiro.
Logo se imagina quanto difícil a vida do cangaceiro. Os de verdade sofriam na mata, debaixo do sol escaldante, se arrastando por cima de espinhos e carrascais, mas se reviravam de canto a outro como fuga ou alento. Mas esse não. Debaixo dum sol danado, num calor de lascar, sem qualquer ventilação que amaine a queimação no juízo, e ele ali totalmente imobilizado. E tendo de sentir a ingratidão das pessoas, de tantos e tantos que passam sem prestar qualquer atenção, e de quase todos que não colocam qualquer moeda na latinha adiante do banquinho.
Mais adiante o profeta. Ou maluco mesmo. Já era meio doido quando o conheci estudando na UFS, porém foi enlouquecendo ainda mais. Não está de todo insano, pois logo me reconhece no brilho do olhar, e até responde quando o cumprimento. Mas, de resto, uma coisa do outro mundo. Sempre em pé no meio da esquina, com roupa surrada e paletó envelhecido, gesticula com uma velha Bíblia sempre fechada à mão, e fala sem parar. Já rouco de tanto esforço na voz, mas fala o mais que pode.
Mas é melhor ninguém parar para ouvir o profeta. Suas pregações não defendem nem santos nem humanos. Coloca todos numa panelinha só. Até contra Deus pronuncia impropérios. Deixa o papa numa situação deplorável e não diz nada de bom da igreja. Numa situação tal o mundo tem de acabar mesmo, segundo as profecias malucas do profeta insano.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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