Rangel Alves da Costa*
Quem já leu “O Meu Pé de Laranja Lima”, de
José Mauro Vasconcelos, certamente jamais se esquecerá da seguinte passagem, já
no finalzinho do livro, quando o pai do menino tenta esconder a verdade sobre o
que foi feito com sua árvore: -
Depois tem mais. Tão cedo não vão cortar o seu pé de Laranja Lima. Quando o
cortarem você estará longe e nem sentirá. Agarrei-me soluçando aos seus
joelhos. - Não adianta, Papai. Não adianta... E olhando o seu rosto que também
se encontrava cheio de lágrimas murmurei como um morto: - Já cortaram, Papai,
faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima”.
É o instante em que o menino Zezé relata sua
tristeza com o que fizeram com o amigo de toda vida, que outro não é senão o
seu pé de laranja lima. Tinha aquela árvore como fiel companheira, verdadeira
amiga e confidente nas horas alegres e tristes, um tronco com folhas e frutos
alimentando suas esperanças adolescentes. Não encontrava refúgio melhor que no
quintal de sua casa e ao lado daquele sombreado bom, conversando, segredando
seus mistérios juvenis. E o pé de laranja lima com ele dialogava como somente
os grandes amigos conseguem.
O livro de José Mauro de Vasconcelos - que ao
modo de “O Pequeno Príncipe”(Antoine de Saint-Exupéry) e “A História de
Fernando Capelo Gaivota” (Richard Bach) -, logo ultrapassou sua destinação
infanto-juvenil para alcançar status entre os grandes clássicos para todas as
idades, cuida, pois, da amizade entre um menino e um pé de laranja lima. Uma
amizade de conversas, de aconselhamentos, de afetos verdadeiros. Um estranho
mundo onde somente uma árvore conseguia compreender um menino nas fantasias e
desilusões de sua idade.
O menino Zezé possuía outro grande amigo e
confidente, o Portuga, um bom proseador que o acolhia como verdadeiro neto, mas
nada igual ao seu pé de pau, sua árvore de quintal. Acostumara com ela de tal
modo que entristecia e adoecia somente em pensar em possível separação, em
qualquer coisa que lhe tirasse aquele quintal e principalmente seu pé de
laranja lima. Mas nunca lhe tinha passado pela cabeça que um dia sua árvore
pudesse ser arrancada com tronco e tudo, deixando de existir de vez. E foi o
que acabou acontecendo.
Mas por que Zezé era tão apegado ao seu pé de
laranja lima? Por que foi aprendendo a gostar da árvore bem mais que aos
humanos? Por que fazia daquele quintal um mundo de encontro consigo mesmo e do
pé de pau uma extensão de seus sentimentos? Por que foi nutrindo tamanha
confiança com o pé de laranja lima, de modo que somente a ele tudo podia
revelar? Por que o diálogo, a palavra entre o menino e a árvore? Creio que
apenas uma resposta: O ser humano necessita criar e cultivar aquilo que lhe dê
confiança.
Não apenas cria aquilo que possa confiar como
faz de sua criação, real ou imaginária, um espelho onde possa se avistar,
dialogar e comungar sentimentos. Elege algo que lhe sirva de voz e ouvido, que
esteja sempre presente quando necessita, e assim vá fortalecendo uma relação
fiel e duradoura. De certo modo, parece mesmo que o ser humano confia mais e
busca refúgio naquilo que não seja necessariamente pessoa. Assim acontece
porque é sempre mais fácil refletir-se naquilo que possa ser moldado ao que já
foi construído.
A proximidade e o prazer da presença, aliados
ao senso de confiança e conforto, vão tornando as relações entre as pessoas e
outros seres em algo tão profundo como a própria existência. É como se sentisse
necessidade de dialogar com um animal de estimação, com uma pedra de montanha.
É como se sentisse fortalecido no convívio com plantas e somente a elas ser
capaz de transmitir seus verdadeiros sentimentos. A representatividade
escolhida acaba suprindo carências, sonhos, anseios e esperanças. O mais
importante, contudo, é a confiança que nasce entre o ser e aquele outro ser que
talvez seja um nada aos olhos de muitos.
Desse modo, não seria exagerado dizer que
todo mundo tem e convive com seu pé de laranja lima e, igualmente ao receio de
Zezé, também temendo que a qualquer instante sua árvore seja cortada. E tudo se
inicia ainda na mais tenra idade da vida, ainda quando não é possível
compreender o valor de uma grande e verdadeira amizade. Basta ter em mente o
exemplo de um simples pedaço de pano na vida do bebê. A criancinha se apega de
tal modo ao pano que só adormece se estiver sentindo aquele calorzinho a seu
lado. E chora incansavelmente se alguém lhe retira seu objeto de amizade.
E assim acontece também com os adultos. Todo
mundo possui seu pé de laranja lima num gato ou num cachorro, num papagaio ou
num passarinho. Tudo mundo tem sua árvore companheira no seu quarto fechado, na
sua agenda, no seu livro de cabeceira, num baú escondido. Não são raras as
pessoas que elegem um cantinho de jardim ou um banco de praça para os diálogos existenciais.
Muitos escolhem a solidão do alto da montanha para edificar um templo de paz e
meditação, e também para o diálogo com as forças divinas. Até mesmo pequenos
objetos servem como ombros amigos e companheiros fiéis.
O apego a tais objetos e situações é tamanho
que se torna verdadeiro sofrimento o simples pensamento de perdê-los. Ninguém
quer sofrer a dor de Zezé e dizer que seus sonhos morreram na semana passada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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