SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

TODO MUNDO TEM UM PÉ DE LARANJA LIMA


Rangel Alves da Costa*


Quem já leu “O Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro Vasconcelos, certamente jamais se esquecerá da seguinte passagem, já no finalzinho do livro, quando o pai do menino tenta esconder a verdade sobre o que foi feito com sua árvore: - Depois tem mais. Tão cedo não vão cortar o seu pé de Laranja Lima. Quando o cortarem você estará longe e nem sentirá. Agarrei-me soluçando aos seus joelhos. - Não adianta, Papai. Não adianta... E olhando o seu rosto que também se encontrava cheio de lágrimas murmurei como um morto: - Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima”.
É o instante em que o menino Zezé relata sua tristeza com o que fizeram com o amigo de toda vida, que outro não é senão o seu pé de laranja lima. Tinha aquela árvore como fiel companheira, verdadeira amiga e confidente nas horas alegres e tristes, um tronco com folhas e frutos alimentando suas esperanças adolescentes. Não encontrava refúgio melhor que no quintal de sua casa e ao lado daquele sombreado bom, conversando, segredando seus mistérios juvenis. E o pé de laranja lima com ele dialogava como somente os grandes amigos conseguem.
O livro de José Mauro de Vasconcelos - que ao modo de “O Pequeno Príncipe”(Antoine de Saint-Exupéry) e “A História de Fernando Capelo Gaivota” (Richard Bach) -, logo ultrapassou sua destinação infanto-juvenil para alcançar status entre os grandes clássicos para todas as idades, cuida, pois, da amizade entre um menino e um pé de laranja lima. Uma amizade de conversas, de aconselhamentos, de afetos verdadeiros. Um estranho mundo onde somente uma árvore conseguia compreender um menino nas fantasias e desilusões de sua idade.
O menino Zezé possuía outro grande amigo e confidente, o Portuga, um bom proseador que o acolhia como verdadeiro neto, mas nada igual ao seu pé de pau, sua árvore de quintal. Acostumara com ela de tal modo que entristecia e adoecia somente em pensar em possível separação, em qualquer coisa que lhe tirasse aquele quintal e principalmente seu pé de laranja lima. Mas nunca lhe tinha passado pela cabeça que um dia sua árvore pudesse ser arrancada com tronco e tudo, deixando de existir de vez. E foi o que acabou acontecendo.
Mas por que Zezé era tão apegado ao seu pé de laranja lima? Por que foi aprendendo a gostar da árvore bem mais que aos humanos? Por que fazia daquele quintal um mundo de encontro consigo mesmo e do pé de pau uma extensão de seus sentimentos? Por que foi nutrindo tamanha confiança com o pé de laranja lima, de modo que somente a ele tudo podia revelar? Por que o diálogo, a palavra entre o menino e a árvore? Creio que apenas uma resposta: O ser humano necessita criar e cultivar aquilo que lhe dê confiança.
Não apenas cria aquilo que possa confiar como faz de sua criação, real ou imaginária, um espelho onde possa se avistar, dialogar e comungar sentimentos. Elege algo que lhe sirva de voz e ouvido, que esteja sempre presente quando necessita, e assim vá fortalecendo uma relação fiel e duradoura. De certo modo, parece mesmo que o ser humano confia mais e busca refúgio naquilo que não seja necessariamente pessoa. Assim acontece porque é sempre mais fácil refletir-se naquilo que possa ser moldado ao que já foi construído.
A proximidade e o prazer da presença, aliados ao senso de confiança e conforto, vão tornando as relações entre as pessoas e outros seres em algo tão profundo como a própria existência. É como se sentisse necessidade de dialogar com um animal de estimação, com uma pedra de montanha. É como se sentisse fortalecido no convívio com plantas e somente a elas ser capaz de transmitir seus verdadeiros sentimentos. A representatividade escolhida acaba suprindo carências, sonhos, anseios e esperanças. O mais importante, contudo, é a confiança que nasce entre o ser e aquele outro ser que talvez seja um nada aos olhos de muitos.
Desse modo, não seria exagerado dizer que todo mundo tem e convive com seu pé de laranja lima e, igualmente ao receio de Zezé, também temendo que a qualquer instante sua árvore seja cortada. E tudo se inicia ainda na mais tenra idade da vida, ainda quando não é possível compreender o valor de uma grande e verdadeira amizade. Basta ter em mente o exemplo de um simples pedaço de pano na vida do bebê. A criancinha se apega de tal modo ao pano que só adormece se estiver sentindo aquele calorzinho a seu lado. E chora incansavelmente se alguém lhe retira seu objeto de amizade.
E assim acontece também com os adultos. Todo mundo possui seu pé de laranja lima num gato ou num cachorro, num papagaio ou num passarinho. Tudo mundo tem sua árvore companheira no seu quarto fechado, na sua agenda, no seu livro de cabeceira, num baú escondido. Não são raras as pessoas que elegem um cantinho de jardim ou um banco de praça para os diálogos existenciais. Muitos escolhem a solidão do alto da montanha para edificar um templo de paz e meditação, e também para o diálogo com as forças divinas. Até mesmo pequenos objetos servem como ombros amigos e companheiros fiéis.
O apego a tais objetos e situações é tamanho que se torna verdadeiro sofrimento o simples pensamento de perdê-los. Ninguém quer sofrer a dor de Zezé e dizer que seus sonhos morreram na semana passada.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: