SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

TANTO MAR, TODO MAR


Rangel Alves da Costa*


Quem dera ser poeta e em versos azuis/esverdeados cantar toda a beleza do mar. Quem dera ser literato e inventar uma história bonita desde o porto às distâncias sem fim. Quem dera ser navegante e singrar entre calmarias e procelas rumo ao desconhecido destino. Quem dera ser terra, areia de cais, beira d’água, caminho molhado, estrada d’além.
Jorge Amado descreveu o mar como o misterioso que chama à vida e à morte. Os negros do cais recolhendo os cestos de frutas olorosas trazidas do recôncavo em faustosas embarcações. Relatou acerca dos meninos vivendo ao redor do porto e daquelas águas com canto de sereia. As mulheres chorosas tentando avistar o barco de retorno. Os corpos ardentemente suados se entregando aos prazeres do cais. E as velas acesas para os santos e orixás, oferendas de graça e rogos de dor. Tudo ali na beira do mar.
Os versos camonianos glorificaram as bravuras dos intrépidos navegantes em meio à fúria do mar tenebroso. E disse o poeta que “Por mares nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram”. Um canto das conquistas lusitanas vencendo as fúrias de mares desconhecidos, cheios de mistérios e fazendo chegar a portos impensados aos homens de então.
E mar também presente em Hemingway. Ora, o seu “O Velho e o Mar” nada mais que uma ode à persistência perante as dificuldades. O velho pescador lança todas suas forças naquela que talvez seja sua última conquista. Experiente, vivente do mar e para o mar, jamais imaginaria que aquele peixe lhe fosse tão custoso de ser alcançado. E também a demonstração que o mar e os seus seres possuem tamanhas forças que desafiam o entendimento do mais experimentado dos pescadores.
Mas o mar está em tudo, em todo lugar, até mesmo naqueles inesquecíveis versos da Portela de 1981, com seu enredo “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite”, numa genial composição de Davi Correa e Jorge Macedo: Deixa-me encantar com tudo teu e revelar lá, la, iá/ O que vai acontecer nessa noite de esplendor/ O mar subiu na linha do horizonte desaguando como fonte/ Ao vento a ilusão teceu/ O mar, oi o mar, por onde andei mareou, mareou/ Rolou na dança das ondas no verso do cantador/ Dança quem tá na roda/ Roda de brincar/ Prosa na boca do vento e vem marear/ Eis o cortejo irreal com as maravilhas do mar/ Fazendo o meu carnaval, é a vida a brincar/ A luz raiou pra clarear a poesia/ Num sentimento que desperta na folia/ Amor, amor/ Amor sorria, ôôô/ Um novo dia despertou/ E lá vou eu, e lá vou eu, pela imensidão do mar/ Esta onda que borda a avenida de espuma me arrasta a sambar”.
No cenário musical, talvez o mais marinheiro tenha sido Dorival Caymmi. Cantou o mar baiano de forma poeticamente triste, como as águas que chegavam ao cais num misto de dor e sofrimento. E tal poética é revelada em canções dolentes como “O mar”: “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito/ O mar.../ Pescador quando sai nunca sabe se volta, nem sabe se fica/ Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos nas ondas do mar/ O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito...”.
E assim o mar vai sendo avistado, sonhado, escrito, cantado, navegado. De olhos tristonhos e pés descalços alguém caminha na beira do cais. Adiante, em ondas que chegam e recuam, o mar cantando sua misteriosa canção. Para muitos é um chamado, para outros apenas soluços molhados que se espalham na areia.
Há um velho farol que deixou de iluminar por causa dos olhos constantemente encharcados. Olha adiante a avista aquela mansamente falsa imensidão, tudo tão solitário e triste. Apenas um barquinho que vai sumindo na linha do horizonte. E ao redor, por cima das areias úmidas e próximas às pedras lavadas de açoite, flores mortas se deixando levar. E mais adiante alguém que caminha ao abraço das águas profundas. Do mar...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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