SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 6 de janeiro de 2015

UM CALOR DE MIL SÓIS


Rangel Alves da Costa*


Se o fim do mundo dos dinossauros se deu com a queda de um imenso asteroide sobre a terra, dizimando grande parte da vida planetária, o fim do mundo presente parece mesmo que se dará pelo fogo. E fogo vindo do sol, em forma de calor. Os sinais já estão aí, a cada ano, com as temperaturas ficando elevadas a níveis quase insuportáveis.
O calor de agora está realmente aterrorizante, e se a tendência é a elevação da temperatura a cada ano, então uma verdadeira fornalha é o que se terá pela frente. Na verdade, sequer se reconhece mais as estações, pois tudo mais quente ou menos quente. Muito diferente de outros tempos, onde inverno era inverno e verão era verão. Agora é tudo uma feição só em qualquer tempo, e sempre pegando fogo.
Contudo, verdade é que durante alguns meses o dragão fica mais afoito, mais ensandecido. Do final do ano até março as chamas parecem mais vivazes, as labaredas mais chamejantes, o fogo mais próximo do ser humano. E que coisa terrível é viver assim no desconforto, no suor, na aflição, com o corpo querendo assar feito pão.
Em Aracaju a coisa anda realmente feia, terrível. Sendo cidade praieira, com uma imensa costa marítima ao redor, o sol acaba incidindo ainda mais forte e o calor de forno soprando em máxima temperatura. O vento que vem da barra já vem com papel laminado para assar de forma igual.
E tudo vai se transformando em dias e noites insuportáveis, ruas parecendo tremer, asfaltos soltando fumaça, pessoas em tempo de enlouquecer. Os desmaios são constantes, os desalentos também. E não há banho, abano, guarda-sol, ventilador, ar-condicionado ou nudez que adiante, pois basta colocar o pé do lado de fora e a lava de vulcão sopra faminta. E o pior é que dentro de casa é mais aterrorizante ainda.
Como consequência, algumas cenas podem ser observadas no dia a dia da cidade em chamas, e todas envolvendo pessoas – magras e gordas e de todas as idades – diante da insuportabilidade da situação. Muitos tomarão por ficção ou invencionice, outros acreditarão serem relatos de um atormentado pelo calor, mas não, pois tudo podendo ser constatado pelas ruas e avenidas.
E andei sabendo de cada uma. Soube de pessoas correndo desesperadas pelo Calçadão da Laranjeiras em direção ao Rio Sergipe, logo adiante. E corriam gritando, esbaforidas, aflitas, se derramando em suor, a ponto de pegar fogo, prontas para se jogarem com roupa e tudo naquelas águas. E não eram duas nem três não, mas várias.
Soube de pessoas caminhando e deixando para trás o rastro molhado. De tanto ferver e suar, um verdadeiro rio pegajoso vai descendo do cabelo até os pés e deixando a molhação por onde passa. Quem olha para o chão e percebe tudo molhado, até que pode imaginar ter caído chuvarada repentina. Mas não, é o suor do povo encharcando tudo.
Soube de pessoas praticamente enlouquecidas saqueando isopores de água mineral dos ambulantes, e trocando tapas na disputa por uma garrafinha. O mesmo ocorre com vendedores de sorvetes. Bares e lanchonetes já fecharam as portas diante do que fizeram com suas cervejas e refrigerantes.
Um amigo revelou-me que presenciou umas três pessoas em combustão. Quer dizer, pegaram fogo no meio do tempo, em plena rua. Já outro presenciou umas cinco pessoas em tamanho desespero calorento que não pensaram duas vezes e ficaram completamente nuas em pleno calçadão. E os outros, com os olhos empapados de suor, sequer perceberam a extensão das cenas.
Não posso afirmar, pois ainda não presenciei, mas dizem que alguns andam carregando baldes para jogar um copo d’água na cabeça de passo a passo. E quando os baldes secam invadem jardins e arrebentam hidrômetros em busca do precioso líquido. Já outros levam ventiladores portáteis. O problema maior é a fiação de quilômetros que têm de puxar atrás de si.
Mas, como já afirmou um conhecido, tudo isso já era esperado. É o próprio homem que vive colocando lenha na fogueira do universo. Cada planta que tira do chão, cada beira de riacho que desmata, cada fornalha que vai construindo e cada ação tomada contra a natureza, outra consequência não gera senão o aumento da temperatura e a degradação planetária.
Daí que não é o sol que está mais próximo ou está mais quente. É o homem cada vez mais frio, insensível e negligente perante os problemas ambientais. Ora, a natureza sopra com aragem perfumada, leve, confortante, todo aquele que cuida da Terra-Mãe.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: