Rangel Alves da Costa*
A areia silencia por todas as vastidões. Nos
desertos, nas dunas, nos areais, nos descampados, nos campos, nos caminhos e
veredas de terra nua, tudo se mantem em silêncio profundo. A mudez em cada
grânulo, em cada grão; a calada em cada partícula, em cada fragmento.
Nos beirais das praias, nos cais solitários,
as areias permanecem silenciosas enquanto são molhadas, lavadas, tantas vezes
levadas para o leito azul. E silêncio também na aridez desértica, onde somente
a ventania passa ecoando sua velha cantiga. Mas é canção da ventania, e não da
areia. Esta permanece em profunda mudez.
Os ouvidos se enganam ao imaginar que as
areias murmurejam diante da ventania ou quando esta chega com sopro forte e
transforma o leito calmo em poeira. Também os sussurros nas dunas não são
provocados pelas areias em movimento, mas pelo vento entrecortando os cumes e
fazendo sons estranhos. Eis que a areia permanece em silêncio.
Contudo, ela desperta, ela emerge do sono,
ela também se levanta. Mas não porque, sozinha, de repente passe a emitir
ruídos, vozes, barulhos, gritos, murmurejos. Não. Todas as vezes que areia
desperta e se mostra pulsante é porque algo aconteceu por cima de seu leito, de
sua trilha, de suas vastidões. E até pela ideia de que assim aconteça.
Sinta-se diante de uma bela fotografia com
passos sulcados nas areias de um entardecer no deserto. Ninguém é avistado no
retrato, nem ao longe nem perto, mas apenas aqueles sulcos abertos pelos passos
que foram caminhados seguindo adiante. Então basta essa certeza de que por ali
passou alguém e deixou rastros para que a areia já se veja despertada do
silêncio.
E assim também com a mente ao imaginar uma
caravana de tuaregs, aqueles caminhantes do deserto. Ou mesmo uma fileira de
camelos subindo e descendo cumes ao lado de mercadores com suas roupas
apropriadas para enfrentar as ventanias vorazes. Uma bela imagem numa paisagem
inóspita, totalmente desértica, porém belíssima. Mas todo o cenário logo
transmite uma sensação de silêncio inquietante, até de temor.
Eis que os areais extensos, as dunas e os
montes do deserto, sempre provocam uma profunda sensação de silêncio. Mas é
esta mudez inquietante que transmite sons, ruídos, vozes. Não nas areias que
permanece em silêncio, mas pelo que se desenrola por cima de seus caminhos
parecendo infinitos. Aquelas distâncias, aquele mundo sem fim de grão após
grão, aqueles rastros que logo se apagam pelos açoites do vento, tudo isso faz
com que a mente viaje e dialogue com a paisagem, despertando a areia de seu
silêncio.
A não ser pelo barulho das ondas chegando e
recuando, qual outro murmurejo se ouve pela areia molhada da praia? A não ser
pelo canto do vento açoitando coqueirais, qual outra cantiga se ouve nas areias
solitárias do cai após o anoitecer? A não ser pelo ciciar da natureza e o
barulhar dos bichos pelos escondidos, o que mais se ouve na longa caminhada por
cima das areias grossas da estrada?
Em todas estas situações, as areias sempre
permanecem em silêncio. Mas quebra sua mudez pela paisagem e pelo que está
acima do seu chão. Pelas areias da praia avista-se uma flor jogada ao relento,
no cais solitário ao longe se avista alguém por ali passou deixando uma
lágrima, na curva da estrada ainda se avista a sombra de alguém que vai seguindo
a algum lugar. Ora, tudo passou e tudo seguiu, mas as marcas deixadas na areia
é que fazem com que desperte, que quebre o seu silêncio.
Por isso que o silencioso deserto ganha voz
ao se imaginar o que por ali caminha. Por isso que as areias do cais gritam
diante do lenço molhado caído no seu leito. As areias continuam estendidas
silenciosas, mas na imaginação ou visão um barulho maior que a onda imensa ou o
zunido da tempestade de vento.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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