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quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O SILÊNCIO DA AREIA


Rangel Alves da Costa*


A areia silencia por todas as vastidões. Nos desertos, nas dunas, nos areais, nos descampados, nos campos, nos caminhos e veredas de terra nua, tudo se mantem em silêncio profundo. A mudez em cada grânulo, em cada grão; a calada em cada partícula, em cada fragmento.
Nos beirais das praias, nos cais solitários, as areias permanecem silenciosas enquanto são molhadas, lavadas, tantas vezes levadas para o leito azul. E silêncio também na aridez desértica, onde somente a ventania passa ecoando sua velha cantiga. Mas é canção da ventania, e não da areia. Esta permanece em profunda mudez.
Os ouvidos se enganam ao imaginar que as areias murmurejam diante da ventania ou quando esta chega com sopro forte e transforma o leito calmo em poeira. Também os sussurros nas dunas não são provocados pelas areias em movimento, mas pelo vento entrecortando os cumes e fazendo sons estranhos. Eis que a areia permanece em silêncio.
Contudo, ela desperta, ela emerge do sono, ela também se levanta. Mas não porque, sozinha, de repente passe a emitir ruídos, vozes, barulhos, gritos, murmurejos. Não. Todas as vezes que areia desperta e se mostra pulsante é porque algo aconteceu por cima de seu leito, de sua trilha, de suas vastidões. E até pela ideia de que assim aconteça.
Sinta-se diante de uma bela fotografia com passos sulcados nas areias de um entardecer no deserto. Ninguém é avistado no retrato, nem ao longe nem perto, mas apenas aqueles sulcos abertos pelos passos que foram caminhados seguindo adiante. Então basta essa certeza de que por ali passou alguém e deixou rastros para que a areia já se veja despertada do silêncio.
E assim também com a mente ao imaginar uma caravana de tuaregs, aqueles caminhantes do deserto. Ou mesmo uma fileira de camelos subindo e descendo cumes ao lado de mercadores com suas roupas apropriadas para enfrentar as ventanias vorazes. Uma bela imagem numa paisagem inóspita, totalmente desértica, porém belíssima. Mas todo o cenário logo transmite uma sensação de silêncio inquietante, até de temor.
Eis que os areais extensos, as dunas e os montes do deserto, sempre provocam uma profunda sensação de silêncio. Mas é esta mudez inquietante que transmite sons, ruídos, vozes. Não nas areias que permanece em silêncio, mas pelo que se desenrola por cima de seus caminhos parecendo infinitos. Aquelas distâncias, aquele mundo sem fim de grão após grão, aqueles rastros que logo se apagam pelos açoites do vento, tudo isso faz com que a mente viaje e dialogue com a paisagem, despertando a areia de seu silêncio.
A não ser pelo barulho das ondas chegando e recuando, qual outro murmurejo se ouve pela areia molhada da praia? A não ser pelo canto do vento açoitando coqueirais, qual outra cantiga se ouve nas areias solitárias do cai após o anoitecer? A não ser pelo ciciar da natureza e o barulhar dos bichos pelos escondidos, o que mais se ouve na longa caminhada por cima das areias grossas da estrada?
Em todas estas situações, as areias sempre permanecem em silêncio. Mas quebra sua mudez pela paisagem e pelo que está acima do seu chão. Pelas areias da praia avista-se uma flor jogada ao relento, no cais solitário ao longe se avista alguém por ali passou deixando uma lágrima, na curva da estrada ainda se avista a sombra de alguém que vai seguindo a algum lugar. Ora, tudo passou e tudo seguiu, mas as marcas deixadas na areia é que fazem com que desperte, que quebre o seu silêncio.
Por isso que o silencioso deserto ganha voz ao se imaginar o que por ali caminha. Por isso que as areias do cais gritam diante do lenço molhado caído no seu leito. As areias continuam estendidas silenciosas, mas na imaginação ou visão um barulho maior que a onda imensa ou o zunido da tempestade de vento.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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