Rangel Alves da Costa*
A noite chegou e a janela permaneceu aberta.
A porta também. O sopro da ventania entrava sem pedir passagem. Mas nada que
fizesse barulho ou qualquer ruído, apenas aquele som de folhas tremulando ao longe.
O candeeiro continuava apagado, apenas a
chama de uma vela cintilava ao lado do velho oratório num canto do quarto.
Assim, a penumbra envolvia as paredes e a vida. E os olhos avistavam apenas a
cor lutuosa da noite.
Havia luz elétrica, mas só de vez em quando
acendia uma lâmpada. Gostava mesmo da luz de candeeiro, de lampião, de vela. E
assim entremeava a poesia da luz chamejante com a tristeza da escuridão
adiante.
Era triste. Gostava de tristeza. Não do
entristecimento cortante, dolorido, rasgando as entranhas pela dor, pela
ausência ou pela saudade. Mas daquela tristeza circunspecta, meditava, chamando
para si pequenas angústias e melancolias.
Gostava que seu olhar se perdesse no
horizonte escurecido. E se esquecesse de voltar da paisagem nua. E até se
sentia confortada quando o retorno trazia na face uma lágrima encontrada em
qualquer lugar.
De vez em quando parecia ouvir uma velha
canção pelo ar. Uma ária triste que aumentava a entonação com a força do vento.
Mas nada além da ilusão do mesmo canto ouvido pelos solitários nas noites
vazias.
Também de vez em quando parecia ouvir alguém
batendo na porta ou na janela, mesmo que as duas estivessem entreabertas. Mas
foi percebendo que a ventania também se anuncia quando quer trazer de longe
alguma notícia.
E cartas e versos eram trazidos e deixados
pelo chão. Nada além de folhas mortas esvoaçadas nos sopros vorazes. Apenas
folhas mortas, outonais, mas trazendo consigo poesias tristes que necessitavam
ser lidas. E bilhetes dizendo apenas “a noite na noite...”.
Tinha um baú repleto de poesias trazidas ao
vento. Mas algumas já chegavam esfarelando, se partindo em pedaços, quase como
as cinzas de outono. Bastava avistar uma folha estendida num canto e logo
imaginava o verso sofrido ali existente.
Suas poesias, aquelas de próprio punho e
solidão, tinham o mesmo destino das folhas secas. Escrevia-as sempre no umbral
da janela e ali mesmo as deixava guardadas no diário do tempo. E o açoite do
vento cuidava de levá-las adiante, aos olhos cegos do além.
Mas sentia-se bem assim, com sua tristeza
apenas triste. Não conseguiria mais viver diferente. Não suportaria mais estar
em ambientes que não retratassem aquele mundo próprio: uma casinha, uma porta e
uma janela à frente, jardins ilusórios ao redor, a pedra da solidão adiante, a
imensidão do horizonte por todo lugar.
Mas era após o entardecer, quando o vermelho
afogueado do sol ia se escondendo atrás das montanhas e das nuvens, que sua
vida realmente começava a acontecer. E os sentimentos se enchiam da cor do
instante. E nas sombras ia avistando sua existência. E na noite ia acendendo os
vaga-lumes da alma.
Com a porta e a janela abertas, a pequenina
casa em meio à vastidão, acabava se tornando parte do ambiente, da natureza. E
se ao redor os galhos tortos gemiam nas árvores, as folhas esvoaçavam querendo
voar, também ela era apenas uma imagem triste.
A noite com sua cor, a escuridão com seus
mistérios, a poesia noturna, tudo brilhava naqueles olhos tristes. E da porta
mirando o luar ou sentada na pedra da solidão, já não era ela senão alguém que
viaja sem sair do lugar.
Não sentia a lágrima cair, não percebia a
moldura envolvendo o retrato que avistava, não sabia se ouvia ou se falava em
silêncio. Apenas sentia a noite e com ela adormecia na solidão entristecida de
todos os dias.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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