Rangel Alves da Costa*
A fronteira foi ultrapassada, o limite da
virada não existe mais. Restam somente os restos da noite passada, os copos
revirados, as garrafas vazias, as flores murchas jogadas na areia, os abraços
esquecidos que não foram dados.
Não se sabe ao certo se tanta festa foi pela
partida de 2014 ou na expectativa da chegada de 2015. Acaso tenha sido
sentinela de despedida, então mais um ano se vai sem deixar saudades. E acaso
tenha sido como esperança do novo ano, então se comprova a incongruência
humana: espera sempre que tudo mude, menos o próprio sujeito.
E por que o ser humano nunca muda, nunca
reconhece seus erros e procura a todo custo ser reincidente em verdadeiros
absurdos, deveria cobrar menos do calendário. Ora, os dias apenas passam, mas
cabe ao homem transformá-los em utilidades; o ano apenas passa, e sempre caberá
ao homem não permitir que o ano seguinte seja tão renegado ao seu final.
Mas parece não adiantar. Não há ano que seja
bom ou ruim se a pessoa não desejar que ela tenha a feição daquilo que deseja.
E não pode reclamar do tempo passado quem teve às mãos oportunidades de
mudanças e preferiu calar e consentir a continuidade, não pode reclamar quem
não lutou sua boa causa nem teve voz própria nas mais diversas ocasiões.
Todo ano é sempre a mesma coisa. O ano muda e
o homem continua na sua passividade, o calendário esvoaça e o indivíduo
permanece na sua inércia sepulcral. Prometeu que faria tudo diferente, porém
trilhou pela mesmice. Aceitou a política, aceitou a corrupção, aceitou a
roubalheira, aceitou tudo aquilo que havia se comprometido a negar. E
certamente continuará assim, um mentiroso de si mesmo.
As promessas não cumpridas de 1900, 2010 e
2013, por exemplo, se juntarão às que foram feitas à meia-noite entre 2014 e
2015. E após 1º de janeiro tudo voltará a ser como dantes, ou seja, aos poucos
esquecendo, aos poucos fazendo de conta que nada se prometeu, apenas deixando
que tudo simplesmente aconteça. Age assim para depois reclamar que nada
conseguiu nem realizou.
Mas deixai ao homem a sua culpa. Não é um
escrito que vá mudar qualquer situação, principalmente quando a maioria acha
que o passo dado no ano seguinte faz com que o próprio destino cuide das
mudanças. O que passou agora se assemelha a olhar a vida da porta dos fundos.
Os sobrevivos à caminhada já acordaram diante de um novo sol. Ao menos assim se
imagina.
Por mais que se diga sobre o nascer para um
novo tempo, a verdade é que dificilmente os outonos passados com suas folhas
mortas deixarão de existir. Basta olhar para os dias passados, para a vida
passada, e em quase tudo enxergar paisagens tomadas por folhas secas ainda não
levadas pelos ventos novos que vão surgindo.
Apenas o ano passa, o calendário possui outra
datação, mas nunca como um rompimento do que ficou para trás. Ademais, tudo
fica mais envelhecido, desde o próprio ano à idade do homem. Portanto, novas
talvez sejam apenas as esperanças de que os dias vindouros tragam mais luz, paz
e prosperidade. Mas apenas nas perspectivas, sem que o sujeito se ajude a si
mesmo para que aconteça.
O novo ano já teve início, a partir de agora se
fala em um novo tempo. Um novo tempo de que? Só é construído um novo tempo
quando o ser humano deixa suas promessas e parte para a ação. Não se constrói
nada de novo quando há continuidade no jeito de ser, fazer e pensar, quando
continua o medo de agir para transformar.
Ora, poucos exemplos bastam. Desde quanto
tempo o povo brasileiro é politicamente omisso, negligente e indiferente? Desde
quanto tempo a maioria do povo brasileiro é eleitoralmente cego, covarde e
submisso? Haverá um novo tempo para gente assim?
A verdade é que nada parece mudar debaixo
desse pátrio sol. O ano começou hoje e amanhã já estará tão velho quanto as
velhas práticas de um povo sempre envelhecido.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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