Rangel Alves da
Costa*
Os
espinhos se alastram pelas estradas e todos esperando uma sola de pé. Ora, se
tentam ultrapassar a sola de sapatos, chinelos e outros calçados, que se
imagine em pés descalços que cruzem os seus caminhos.
Escondidos,
furtivos, misturados ao barro da estrada, os espinhos sempre surpreendem a
caminhada. E não é toda sola de sapato ou chinelo que protege o caminhante, vez
que as pontas afiadas conseguem vencer os solados mais duros.
Acaso seja
um espinho maior e de ponta rija, certamente vai cortar as entranhas e se
instalar já rente da pele, quando não vai perfurando até despontar em dor. Uma
dor fina, pinicada, que espanta pela proteção que se imaginava ter.
E não há
como fugir dos espinhos. Eles são lançados na estrada através de folhagens, de
galhagens, de garranchos e pequenos troncos de paus. Também a ventania vai instalando
sutilmente as armadilhas perigosas por todo lugar.
Contrariando
a poesia, não há somente uma pedra no meio do caminho, pois os mais indesejados
habitantes estão ali, desde pedrinhas pontudas e perigosas a espinhos finos,
vorazes, espreitando a passagem de um pé desprevenido.
Outro dia
enfrentei uma situação desagradável assim. Estando na região sertaneja onde
nasci, no sábado pela manhã juntei-me a mais dois amigos e seguimos rumo ao
leito de um riacho pedregoso nos arredores da cidade, objetivando encontrar
umas pedras antigas com formatos de sela e outros objetos.
As pedras
são famosas entre os mais antigos, mas desde muito que estavam esquecidas pelos
mais jovens. Paramos o carro nas proximidades do riacho e seguimos a pé pelo
meio do mato. Os dois calçavam havaianas, sandálias apropriadas para a ocasião,
mas eu ostentando um chinelo de couro, frágil e inconveniente.
Não deu
outra. Quando entramos no leito de pouca água e encontramos pedras e mais
pedras pela frente, a cada escorrego eu sentia que a qualquer instante ficaria
descalço, tendo de caminhar totalmente desprotegido por cima de lama, pedras e
espinhos. Fui subir numa pedra, o pé foi e o chinelo ficou, preso e quebrado.
Nem pensei
duas vezes e deixei o chinelo ali mesmo, em cima da pedra. Como não queria
voltar, decidi seguir em frente completamente descalço. Então, caminhando sobre
o leito ora encharcado ora seco, por cima de pedras e espinhos, passei a
experimentar desafios jamais imaginados.
Tendo que
acompanhar os dois amigos mais adiante, toda vez que eu descia os pés nus sobre
o chão ou a água, era como esperar a dor despontando. Entre alívios e
sofrimentos, fui seguindo adiante pelo simples fato de que não havia outra
coisa diferente a fazer. O problema é que tinha de voltar ainda descalço.
Nem me recordo
mais quantas vezes me abaixei para tirar espinhos do pé. De tanto experimentar
a dor, aos poucos fui me acostumando ao sofrimento. Era como um entorpecimento
pelo inevitável já não causasse tanto sofrimento.
Já se
passou pouco mais de um mês dessa dolorosa experiência no leito do Riacho do
Poço de Cima, no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição de Poço
Redondo, mas ainda hoje tenho na memória cada passo dado e cada pontada de
espinho recebida.
Mas de
tudo e em tudo importantes lições. A realidade daqueles espinhos no pé não é
muito diferente de outros espinhos encontrados em todos os caminhos da vida.
Aqueles não ferem mais ou menos que os outros encontrados em cada passo. Tudo é
espinho e fere, e faz doer.
Também não
aprendi que não basta procurar apenas caminhos floridos, abertos, confiáveis,
pois não há como fugir dos espinhos. Mesmo tendo pontas afiadas, certamente
possuirão armadilhas que causam dor, tristeza, desilusão.
Mas seguir
adiante é preciso. E a melhor proteção que se possa ter sempre será a fé, a
persistência, a perseverança e a certeza que os perigos serão vencidos, ainda
que os pés e o coração fiquem marcados pela dor.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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