SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 30 de março de 2016

ESPINHO NO PÉ


Rangel Alves da Costa*


Os espinhos se alastram pelas estradas e todos esperando uma sola de pé. Ora, se tentam ultrapassar a sola de sapatos, chinelos e outros calçados, que se imagine em pés descalços que cruzem os seus caminhos.
Escondidos, furtivos, misturados ao barro da estrada, os espinhos sempre surpreendem a caminhada. E não é toda sola de sapato ou chinelo que protege o caminhante, vez que as pontas afiadas conseguem vencer os solados mais duros.
Acaso seja um espinho maior e de ponta rija, certamente vai cortar as entranhas e se instalar já rente da pele, quando não vai perfurando até despontar em dor. Uma dor fina, pinicada, que espanta pela proteção que se imaginava ter.
E não há como fugir dos espinhos. Eles são lançados na estrada através de folhagens, de galhagens, de garranchos e pequenos troncos de paus. Também a ventania vai instalando sutilmente as armadilhas perigosas por todo lugar.
Contrariando a poesia, não há somente uma pedra no meio do caminho, pois os mais indesejados habitantes estão ali, desde pedrinhas pontudas e perigosas a espinhos finos, vorazes, espreitando a passagem de um pé desprevenido.
Outro dia enfrentei uma situação desagradável assim. Estando na região sertaneja onde nasci, no sábado pela manhã juntei-me a mais dois amigos e seguimos rumo ao leito de um riacho pedregoso nos arredores da cidade, objetivando encontrar umas pedras antigas com formatos de sela e outros objetos.
As pedras são famosas entre os mais antigos, mas desde muito que estavam esquecidas pelos mais jovens. Paramos o carro nas proximidades do riacho e seguimos a pé pelo meio do mato. Os dois calçavam havaianas, sandálias apropriadas para a ocasião, mas eu ostentando um chinelo de couro, frágil e inconveniente.
Não deu outra. Quando entramos no leito de pouca água e encontramos pedras e mais pedras pela frente, a cada escorrego eu sentia que a qualquer instante ficaria descalço, tendo de caminhar totalmente desprotegido por cima de lama, pedras e espinhos. Fui subir numa pedra, o pé foi e o chinelo ficou, preso e quebrado.
Nem pensei duas vezes e deixei o chinelo ali mesmo, em cima da pedra. Como não queria voltar, decidi seguir em frente completamente descalço. Então, caminhando sobre o leito ora encharcado ora seco, por cima de pedras e espinhos, passei a experimentar desafios jamais imaginados.
Tendo que acompanhar os dois amigos mais adiante, toda vez que eu descia os pés nus sobre o chão ou a água, era como esperar a dor despontando. Entre alívios e sofrimentos, fui seguindo adiante pelo simples fato de que não havia outra coisa diferente a fazer. O problema é que tinha de voltar ainda descalço.
Nem me recordo mais quantas vezes me abaixei para tirar espinhos do pé. De tanto experimentar a dor, aos poucos fui me acostumando ao sofrimento. Era como um entorpecimento pelo inevitável já não causasse tanto sofrimento.
Já se passou pouco mais de um mês dessa dolorosa experiência no leito do Riacho do Poço de Cima, no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, mas ainda hoje tenho na memória cada passo dado e cada pontada de espinho recebida.
Mas de tudo e em tudo importantes lições. A realidade daqueles espinhos no pé não é muito diferente de outros espinhos encontrados em todos os caminhos da vida. Aqueles não ferem mais ou menos que os outros encontrados em cada passo. Tudo é espinho e fere, e faz doer.
Também não aprendi que não basta procurar apenas caminhos floridos, abertos, confiáveis, pois não há como fugir dos espinhos. Mesmo tendo pontas afiadas, certamente possuirão armadilhas que causam dor, tristeza, desilusão.
Mas seguir adiante é preciso. E a melhor proteção que se possa ter sempre será a fé, a persistência, a perseverança e a certeza que os perigos serão vencidos, ainda que os pés e o coração fiquem marcados pela dor.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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