SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 28 de março de 2016

O SAL DAS COISAS


Rangel Alves da Costa*


O elemento sal não significa apenas cloreto de sódio ou a definição repassada pelos livros: substância cristalina, de cor branca, solúvel e que usualmente serve para temperar alimentos, ou a substância que resulta da combinação de um ácido com uma base química.
O sal também pode significar preservação da vida, do espírito, da essência do ser. No mesmo sentido o ânimo da fé e da perseverança. Através do sal do caráter e da amizade se preserva as relações humanas. Diz-se também do sal que o ser humano amarga em diversas situações da vida.
Neste aspecto, tem-se que a vida não é feita apenas de coisas boas, agradáveis, adocicadas aos olhos e ao coração. Nem tudo provoca apenas prazer, deleite, boa experiência, pois há uma forçada degustação de coisas e fatos desagradáveis, de instantes salgados e indesejados.
Em tais situações, comumente se diz que a pessoa também experimenta no sal o sabor daquilo que não desejou. Ante o sofrimento surgido, então se afirma do sal da vida que usualmente chega com amargo sabor. A tristeza, a melancolia, a aflição, as dores, os infortúnios, tudo isso pode ser tido como experiências salgadas.
Diz-se salgadas exatamente porque em contraste com os prazeres, as felicidades, as doçuras da existência. É lógica e consequência, vez que absolutamente nada permanece ou sempre acontece segundo o desejado. Desse modo, através das experiências de sal é que também se experimenta as angústias e os dissabores.
A bem dizer, quase nada existe sem que traga consigo um pouco de sal. É como uma bula, uma receita de vida, sendo da normalidade que assim aconteça. Tanto para não adoçar em demasia como para fazer recordar que o sal tempera todo sabor, ainda que o açúcar prevaleça naquela fórmula.
Afirmar que o sal tempera o sabor remete a uma reflexão. Sendo o sal também um símbolo de sofrimento e de tristeza, experimentar o seu sabor significa não apenas a consciência de que as coisas indesejadas também acontecem como temperar o próprio espírito para as bonanças vindouras.
Contrariamente do que se imagina, a experiência salgada não se desfaz quando desaparece o motivo da aflição ou quando a dor se transforma em contentamento. O sal faz parte da essência do ser, e assim permanece no seu interior. Daí ser preciso que o indivíduo reconheça o gosto salgado que pode afluir a qualquer instante e assim esteja preparado para senti-lo e também evitá-lo.
A verdade é que a vida e o próprio homem são compostos de doçuras e azedias. A lágrima desce temperada de sal, o suor escorre salgado. Não há quindim ou cocada que não leve pitadas de sal na sua feitura, qualquer sobremesa doce traz a química salgada no seu sabor. Contudo, o que é para ser salgado geralmente dispensa qualquer porção de açúcar.
Nisto a afirmação de que o sal está em tudo e prevalece sobre tudo. O sal da terra como forma de luta, de esforço e cansaço, para produzir. Mas também o sal da terra simbolizando a purificação. Eis que o sal tem de o dom de conservar aquilo que foi gerado das boas sementes.
A Bíblia se refere ao sal como gesto de firmeza e de aliança: “É uma aliança de sal perpétua perante o Senhor, para você e para os seus descendentes" (Números, 18:19). Como perseverança de fé: “Vocês são o sal da terra. Mas, se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens” (Mateus 5:13).
Nada, pois, é insípido. Há sal em tudo. Na palavra dita, na palavra ouvida. No amor e no afeto, de modo que o seu tempero seja suficiente para manter o sabor desejado, numa medida onde o querer não se descuide da realidade. Nesta, o sal em cada passo, como prova e lição de tudo. Amarguras que devem ser consumidas como fortalecimento à alma e ao espírito.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Ana Bailune disse...

E tudo deve ser sempre muito bem dosado.
Belo texto!