*Rangel Alves da Costa
Um leito de mar sem fim. Do beiral na areia
molhada, o menino mira o seu espelho infinito. Uma infinitude que mansamente se
alonga e se distancia. Sabe-se que o menino avista o mar. Mas ninguém sabe ao
certo o que o menino imagina perante aquele mar imenso, aquele imenso mar.
Mar, lâmina molhada que se estende além e
muito além de todo olhar. Vagas e véus que se misturam aos horizontes e
infinitos e se perdem aonde voam as últimas gaivotas. Mas no seu beiral de
areia molhada, um menino se lança em sua linha e seguindo vai por sua direção.
O menino olha o mar, tão silenciosamente como um leve sopro de calmaria.
Uma fotografia de tristeza e solidão. Um
retrato de silêncio e viagem em pensamento. Uma imagem mostrando a singeleza da
vida a partir de um menino que olha o mar. Ou talvez o espelho de tudo aquilo
que o ser humano deseja vivenciar enquanto seu olhar, demorado e calmo, faz rasante
por cima das águas de qualquer mar.
Mas diante de mim, seja em retrato ou
espelho, um menino que olha o mar. A moldura é ocre outonal, tudo envolto em branda
ferrugem envelhecida. Talvez o tempo sem céu azulado faça dê às cores da
paisagem uma tonalidade nublada. Ou talvez ainda um instante do dia onde o sol
já esmoreceu sua força para chamar no seu resto o amarelado do poente.
Adiante o mar. Uma imensidão de águas
azuis-esverdeadas que ao longe vão sumindo. Não há barco, vela ou escuna,
apenas o mar aberto em seu silêncio e mistério. Não há navio nem qualquer outra
embarcação, apenas águas na valsa da solidão. Também não há gaivotas nem outros
pássaros, não há revoadas nem outras viagens de penas e voos. Os coqueirais
inexistem, assim como as pedras molhadas que repousam em todo cais.
E o menino, aquele menino que olha o mar?
Sim, avisto o menino. Ele está sentado na areia defronte àquela infinitude de
águas. Não posso avistar seus olhos nem as marcas de seu semblante, pois está
de costas de onde o avisto, mas creio ter um olhar que se tornou pequenino de
tanto mirar aquele mar, mas também tão profundo e molhado como aquelas águas de
mar. Veste uma camisa e talvez uma bermuda. Está descalço, com os pés tomados
da areia úmida daquele beiral de mar. É um menino bonito.
É um menino bonito, assim imagino. Mas tenho
certeza que também é um menino triste. Não é fácil encontrar meninos assim, sentados
na areia, em posição demoradamente contemplativa, deixando que seus olhos
avancem e naveguem sobre o mar. Não é fácil avistar meninos assim, no silêncio
e na solidão, desejando apenas meditar e refletir sobre aquelas águas que se
alongam em mistérios e encantamentos.
Perante o mar, naquele ritual singelo e
filosófico de contemplação, o que estaria imaginando o menino? Meninos sonham,
meninos viajam em sonhos, meninos fantasiam, meninos criam barcos mentais e
neles navegam até onde quiserem. Meninos caminham nas águas, dão braçadas entre
as vagas molhadas, sobem aos céus em revoadas, se tornam gaivotas quando
desejam. Por isso mesmo difícil decifrar o que o menino pensa perante aquele
mar.
Talvez o menino esteja repousando do cansaço
do dia e apenas avistando aquele mar como qualquer água. Meninos gostam de
cais, gostam das pedras do cais, gostam de correr nas areias, gostam de tomar
banho sem roupa, gostam de deitar e adormecer ali mesmo nos beirais molhados. Mas
aquele menino está vestido, aparentando estar apenas mirando o mar. E com este
seguindo numa distância desconhecida. A força da imaginação no menino.
Será que o menino fez nascer no olhar um
barquinho de papel e naquele momento já o avista entrecortando aqueles
azuis-esverdeados? Ou será que está se imaginando um corsário em busca de
tesouros perdidos e outros tomados à força da pirataria? Ou será que imagina
que lá adiante, bem mais longe do mais longe, há uma terra igual aquela onde
está sentado e nela uma vida muito melhor? Talvez seja um menino aflito,
sofrido, que ali chora seu sofrimento enquanto viaja nas águas do mar em busca
de sonhos bons.
Não sei. Não sei. Apenas avisto o menino
olhando o mar e de repente sinto vontade de ser aquele menino. Talvez seja eu
mesmo aquele menino. Já faz muito tempo que preciso avistar o mar. Talvez seja
eu mesmo aquele menino.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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