*Rangel Alves da
Costa
Não há
nada distante no mundo. Pensei que jamais iria encontrar um lugar assim, mas
eis que um dia me vi diante das portas de Bom Conselho. Não a localidade
pernambucana, mas outra encravada num mundo muito diferente, assim como uma
Macondo entre o real e o imaginário.
Um lugar
realmente diferente de todos os outros lugares. Não era um mundo de utopia ou
de ilusões, mas uma realidade difícil demais de se imaginar que pudesse
existir. E dizem que o nome surgiu dos bons conselhos que todos os habitantes
compartilham entre si desde as primeiras raízes.
Nas terras
do Bom Conselho não se observava leis senão os bons conselhos, não se resolviam
inimizades senão antes de se indagar se os rixosos haviam seguido os bons
conselhos, não se admitia namoro ou casamento sem antes os enamorados não
passassem pelo crivo dos bons conselhos dos pais.
E um fato
interessante. Em todo lugar, geralmente são os mais velhos, as pessoas de maior
sabedoria acumulada no tempo, que são ouvidos que se deseja um bom conselho,
uma lição, um ensinamento qualquer. Mas ali não, pois uma criança poderia ser
encontrada dando um bom conselho ao ancião.
Quando os
bons conselhos eram dados por pessoas diferentes e divergindo entre si, outra
coisa não se fazia senão colocar os conselheiros entre si para saber quais
conselhos prevaleciam como aceitação dos demais. Daí em diante era aquele
conselho que passava a valer.
Um livro
de mil páginas poderia ser escrito apenas com o resumo dos conselhos mais
prevalecentes nas terras do Bom Conselho. Ninguém anotava nada, pois tudo
repassado oralmente, de boca em boca, mas tudo compreendido, aceito e seguido,
como verdadeira lei que passa a reger a vida comunitária.
Daí que
Bom Conselho era o único lugar do mundo onde a lei humana, codificada, não
tinha validade alguma. Também não havia juiz nem delegado, não havia promotor
nem policial, não havia necessidade de nada disso. Como aplicar a lei se o povo
só seguia suas próprias leis, que eram os bons conselhos?
Assim,
nesse mundo de palavras e de obediência a estas, os conselhos comandavam as
vidas e as ações. Conselhos sobre casamento, sobre namoro, sobre sexo, sobre
limpeza, sobre honestidade, sobre virtudes humanas, sobre pecados, sobre fé e
religiosidade, sobre obediência, sobre tudo.
“Aconselha-se
que após a limpeza da casa, todos os moradores sigam para a limpeza das ruas. E
na limpeza da casa e das ruas, que as pessoas não permitam que permaneça um só
grão de coisa que não tenha serventia”.
“Aconselha-se
que se evite beijar na boca diante das outras pessoas, de modo que não desperte
nestas vontade igual. O beijo além do lábio e além da boca só deve ser dado em
ambiente fechado, de modo silêncio e sem grunhidos, comportamentos como humanos
e não como animais”.
“Aconselha-se
que a nudez seja evitada além da porta da frente. Mas também se aconselha que
as pessoas possam ficar totalmente nuas nos seus ambientes domésticos, desde
que as janelas e as portas estejam fechadas”.
“Aconselha-se
que ninguém se preocupe com idade. Cada um deve viver segundo sua idade e fazer
as coisas ajustadas ao seu tempo de vida. Não se deve agir como se mais velho
fosse nem como mais novo fosse, pois tudo tem o seu tempo e a hora certa de acontecer”.
“Aconselha-se
que todo conselho ouvido seja acompanhado de uma pergunta se o aconselhador
também faz aquilo que aconselha fazer. Acaso negue que faça o que ensina fazer,
aconselhável é que se proclame junto a todos tal fato para que aquela pessoa
seja desacredita e expulsa das terras do Bom Conselho”.
Na última
vez que cheguei a Bom Conselho fui aconselhado a não mais colocar os pés por
lá. E por um simples motivo: eu era de outro mundo e não do mundo deles. E
obedeci. Apenas relato o que conheci um dia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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