SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 5 de outubro de 2017

CAMINHANDO AO PÔR DO SOL


*Rangel Alves da Costa


Nas cidades nunca se percebe. As pessoas da cidade nunca têm tempo de admirar o amanhecer e principalmente o pôr do sol. Abrem as portas e janelas, saem pelas vizinhanças, mas é como se nada acontecesse de diferente além da cidade, além dos montes, pelos horizontes.
As pessoas da cidade nunca têm tempo de olhar para o alto nem para os horizontes. A não ser que caia pingo d’água na cabeça ou que um avião faça barulho ao longe, tanto faz que o alto exista ou não. Talvez dê muito trabalho caminhar um pouco mais, encontrar um descampado, dialogar com a natureza.
As pessoas da cidade se preocupam muito mais em olhar para quem vem e para quem vai, para a roupa do outro, para o que faz ou o que deixou de fazer. Miram a vida através do outro, como se a coisa mais bela do mundo fosse destrinchar para depois depravar a existência alheia.
Que tempos humanos onde o verdadeiramente belo se torna invisível às arrogâncias do olhar, aos egoísmos vorazes do coração! E tanto há, entre o singelo e o sublime, para se perceber, para se avistar. Talvez uma revoada, um voo solitário de um pássaro, o encantamento com as folhas secas que vão pelos ares.
Mas nem sempre foi assim. Os mais antigos amanheciam já mirando os horizontes. As barras avermelhadas diziam muito sobre o tempo de chuva ou de sol. As velhas senhoras não estendiam roupas nos varais se as nuvens prenhes ao longe fossem avistadas. Tudo o que vinha do alto, dos espaços ou das alturas dos arredores, retratava um pouco sobre o dia e até o amanhã.
Mas os tempos passaram e a última vez que a mocinha olhou para o alto, em direção aos céus, foi para rogar por uma roupa nova para o show de Unha Pintada. E quase ninguém sabe mais dizer o que é um pôr de sol, qual a sua cor, qual a sua magia. Certamente dirão que há coisas mais importantes a se fazer do que estar mirando o nascente e o poente.
Ledo engano, bela menina, belo rapaz. Ledo engano. O espírito é alimentado não com comida, mas com o sentimento. Meditar, refletir, caminhar em direção ao pôr do sol é um livro aberto de poesia. Experimente. Não há diálogo interior mais aperfeiçoado que aquele envolto em silêncio e terna beleza.
Nos arredores das cidades, principalmente interioranas, existem paisagens encantadoras. Basta caminhar pelos afastados ao entardecer para sentir quando beleza vai surgindo perante o olhar. É como se as cores do instante emoldurassem os sentimentos de tal forma que a pessoa se vê envolvida pela própria paisagem.
Nada mais mágico e gratificante que avistar o sol se pondo no silêncio do entardecer e depois, após a oração que vai brotando da alma, soprar aquela fogueira avermelhada e triste que vai sumindo entre as nuvens. E assim por que sempre surge uma oração em instantes assim. Como uma vela chamejando sua última luz, a prece sai da alma sem voz ou palavra.
De vez em quando, nas vezes que estou no sertão, escolho o entardecer mais abrandado para seguir pelas estradas. Sento nas pedras, converso com os bichos, miro horizontes e mais além. E no alto vou avistando a fogueira queimando as nuvens, para depois ser engolida, já nas cinzas das brasas, pelas próprias nuvens.
Então fixo o olhar lá no alto, no desfecho do pôr do sol, para somente depois sentir que a escuridão não tarda a se aproximar. E com ela a lua. E com ela as noturnas magias.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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