*Rangel Alves da Costa
Nas
cidades nunca se percebe. As pessoas da cidade nunca têm tempo de admirar o
amanhecer e principalmente o pôr do sol. Abrem as portas e janelas, saem pelas
vizinhanças, mas é como se nada acontecesse de diferente além da cidade, além
dos montes, pelos horizontes.
As pessoas
da cidade nunca têm tempo de olhar para o alto nem para os horizontes. A não
ser que caia pingo d’água na cabeça ou que um avião faça barulho ao longe,
tanto faz que o alto exista ou não. Talvez dê muito trabalho caminhar um pouco
mais, encontrar um descampado, dialogar com a natureza.
As pessoas
da cidade se preocupam muito mais em olhar para quem vem e para quem vai, para
a roupa do outro, para o que faz ou o que deixou de fazer. Miram a vida através
do outro, como se a coisa mais bela do mundo fosse destrinchar para depois
depravar a existência alheia.
Que tempos
humanos onde o verdadeiramente belo se torna invisível às arrogâncias do olhar,
aos egoísmos vorazes do coração! E tanto há, entre o singelo e o sublime, para
se perceber, para se avistar. Talvez uma revoada, um voo solitário de um
pássaro, o encantamento com as folhas secas que vão pelos ares.
Mas nem
sempre foi assim. Os mais antigos amanheciam já mirando os horizontes. As
barras avermelhadas diziam muito sobre o tempo de chuva ou de sol. As velhas
senhoras não estendiam roupas nos varais se as nuvens prenhes ao longe fossem
avistadas. Tudo o que vinha do alto, dos espaços ou das alturas dos arredores,
retratava um pouco sobre o dia e até o amanhã.
Mas os
tempos passaram e a última vez que a mocinha olhou para o alto, em direção aos
céus, foi para rogar por uma roupa nova para o show de Unha Pintada. E quase
ninguém sabe mais dizer o que é um pôr de sol, qual a sua cor, qual a sua
magia. Certamente dirão que há coisas mais importantes a se fazer do que estar
mirando o nascente e o poente.
Ledo
engano, bela menina, belo rapaz. Ledo engano. O espírito é alimentado não com
comida, mas com o sentimento. Meditar, refletir, caminhar em direção ao pôr do
sol é um livro aberto de poesia. Experimente. Não há diálogo interior mais
aperfeiçoado que aquele envolto em silêncio e terna beleza.
Nos
arredores das cidades, principalmente interioranas, existem paisagens
encantadoras. Basta caminhar pelos afastados ao entardecer para sentir quando
beleza vai surgindo perante o olhar. É como se as cores do instante
emoldurassem os sentimentos de tal forma que a pessoa se vê envolvida pela
própria paisagem.
Nada mais
mágico e gratificante que avistar o sol se pondo no silêncio do entardecer e
depois, após a oração que vai brotando da alma, soprar aquela fogueira
avermelhada e triste que vai sumindo entre as nuvens. E assim por que sempre
surge uma oração em instantes assim. Como uma vela chamejando sua última luz, a
prece sai da alma sem voz ou palavra.
De vez em
quando, nas vezes que estou no sertão, escolho o entardecer mais abrandado para
seguir pelas estradas. Sento nas pedras, converso com os bichos, miro
horizontes e mais além. E no alto vou avistando a fogueira queimando as nuvens,
para depois ser engolida, já nas cinzas das brasas, pelas próprias nuvens.
Então fixo
o olhar lá no alto, no desfecho do pôr do sol, para somente depois sentir que a
escuridão não tarda a se aproximar. E com ela a lua. E com ela as noturnas
magias.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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