*Rangel Alves da Costa
Com a razão o ditado popular: depois do
sacrifício o prazer da conquista. Assim o esforço para participar do último
Cariri Cangaço Floresta (Centenário de Nazaré do Pico) e os belos e doces
frutos colhidos durante e após o evento. E a primeira impressão que ficou é que
mesmo a pé, cortando as desolações das distâncias, o destino não poderia ser
outro senão alcançar a Terra dos Tamarindos, a Floresta do Navio, a bela
Floresta.
Somente os grandes propósitos da vida nos
animam a vencer as dificuldades. Grande parte da comitiva de Poço Redondo a
todo instante se mostrava indecisa sobre a viagem. Mas uma parte jamais
fraquejou no seu intento de participar de mais uma edição do Cariri Cangaço. E
assim como fizemos nos caminhos para Exu, seguimos resolutos ao encontro da
história, da memória, da cultura, das lições, dos amigos, da terra florestana e
de sua gente. Seguimos.
Após Sergipe, atravessando a ponte sobre o
Velho Chico, as terras das Alagoas. Piranhas, Olho D’água, Delmiro. Rumo ao
Pernambuco. Os sertões pernambucanos se mostram imensos, distantes demais, até
mesmo desoladores. Quilômetros sem fim pelas desertas vastidões. Sobre a terra
seca, de margem a margem da estrada de asfalto bom, apenas a secura, a solidão
da vegetação cactácea, um mundo hostil e desabitado. Ora, não se avistava
nenhum pé de pessoa, nenhum bicho cortando a estrada, nenhum casebre triste de
beira de estrada. Nada. Que mundo é este onde estamos? Intimamente indaguei.
Aquele mundo tão ermo e tão hostil nada mais
era, contudo, que o autêntico mundo sertanejo. E já naqueles desolados
arredores, onde se parecia distante de tudo, ainda os passos dos cangaceiros,
das volantes, das alpercatas da história. Aqueles mandacarus, aqueles
xiquexiques, pontas de espinhos, pedras graúdas e miúdas, serrotes e planuras
ressequidas, um dia testemunharam os suores da luta, os respingos de sangue, as
emboscadas, as guerras sem fim no meio do mundo. Eis o cenário descortinando o
que mais tarde se teria pela voz da história, através de seus estudiosos e
pesquisadores.
Atravessamos o mundo e chegamos a outro
mundo. Descobriu-se, então, que o município de Floresta não era longe, que a
cidade de Floresta não era longe, e que todo aquele anseio se devia a vontade
de chegar, de pisar nas terras florestanas e conhecer mais de perto aquele chão
de testemunhos sangrentos e de histórias tão grandiosas. E ali não estávamos
para desencavar outros passados senão aqueles que nos guiava: a Floresta
combatente nos tempos cangaceiros, a Floresta tomada de orgulho no encalço dos bandoleiros
das caatingas, a Floresta dos destemidos nazarenos e seus menestréis incansáveis.
A Floresta da pujante história!
Floresta é um livro aberto, a cada passo, em
cada canto, desde a sede aos caminhos outros e mais distantes. E quantas
relíquias nas páginas deste majestoso livro. Numa página a imponência do antigo
Batalhão, noutra a Confraria do Rosário, noutra a Igreja do Rosário, a
Catedral, o Memorial Conceição Cahú, o Espaço João Boaiadeiro, a Budega, as
praças e ruas com seus tamarineiros despejando versos, as casas e prédios de
fachadas coloridas e preservadas em beleza sem igual. Pelos arredores, a
Fazenda Favela e seu fogo famoso entre volantes e cangaceiros. E o que dizer de
Nazaré do Pico?
Ainda na estrada avistei um pico de vulcão
adormecido. Estava chegando a Nazaré. E realmente agora um pico de vulcão
adormecido, mas que no passado soltou vorazes labaredas pelas mãos de seus
nazarenos, incansáveis perseguidores de Lampião e seu bando. Uma raça de titãs
aquela de Nazaré. Paisanos que ingressaram nas volantes pelo desejo de
perseguição ao rei cangaceiro e seu bando. Homens da estirpe de Mané Neto,
Manoel Flor (imortalizado por sua filha Marilourdes Ferraz na obra O Canto do
Acauã), Odilon Flor, David Jurubeba,
Aureliano Flor e do tenente João Gomes de Lira, dentre tantos outros.
Ainda em Nazaré, a singela igreja de Nossa
Senhora da Saúde defronte à praça que leva o nome de Antônio Gomes Jurubeba,
construtor da então capela. Um pouco mais adiante, a visita ao Poço de Negro e
seu pé de Umbu-Cajá, localidade onde a família de Lampião se arranchou num
tempo de fugas e perseguições. Nos escombros ainda as marcas daquelas presenças
tão primorosas ao ofício do historiador.
Muito mais eu haveria de relatar, mas o tempo
é breve e a saudade de Floresta me faz mais entristecido. Já não sou mais o
mesmo depois dessa visita. Meus olhos jamais avistaram tamanha abnegação de um
povo pela preservação de sua história. Fui além das fachadas, adentrei em
corredores e cômodos, senti e vivenciei os relatos. Quanta maravilha. E de lá
não só Manoel Severo saiu como cidadão florestano como eu conselheiro do Cariri
Cangaço.
Mas hoje mesmo a Floresta retornei. Em
pensamento e saudade, por isso ela está aqui, ela em mim permanece.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário