*Rangel Alves da Costa
Tô cheio de tudo. E cheio já transbordado, já
derramado e entornado pelas beiradas. Cheio demais das hipocrisias, das
falsidades, das covardias. Tô cheio das arrogâncias e das brutalidades verbais,
das barbáries e das violências carnais, das truculências e dos despreparos a
cada passo e a cada encontro. Tô cheio do mal cheiro das togas, dos ternos e
dos paletós, das gravatas e dos paletós, dos anéis dourados e dos títulos,
honrarias e ostentações que nada dignificam nem significam. Tô cheio de tudo
isso.
Tô cheio das sentenças viciadas, dos
julgamentos imparciais, das injustiças praticadas. Cheios de ter a lei aviltada
e a ilegalidade prosperando, cheio da cegueira judicial e do olho aberto demais
para réus apadrinhados. Tô cheio da jurisprudência criada pelo absurdo, onde os
códigos e as leis são manipulados em proveito desonroso. Cheio de livres
convencimentos estapafúrdios e de apreciação de provas ao arbítrio da escolha
feita, de tendeciosimos explícitos e das decisões vergonhosas. Tô cheio dos
formalismos externos e dos lamaçais de gabinetes. Tô cheio de tudo isso.
Tô cheio do preço, do valor, da cobrança.
Cheio de ter de todo dia suportar o aumento de tudo e apenas de ter de suportar
por causa da sobrevivência, da fome, da doença, da precisão. Por causa da
pobreza sempre vitimada pelas canetas algozes. Tô cheio das roubalheiras, das
compras de votos, dos cheques parlamentares, das benesses brasilianas, que
depois se revertem em sofrimento à população. Cheio desse esvaziamento do povo,
principalmente das classes mais empobrecidas, para colocar nos cofres públicos
o dinheiro que eles mesmos roubaram. Tô cheio de tudo isso.
Tô cheio de denúncias e dos esvaziamentos das
denúncias, do nada que dá as denúncias, das encenações feitas perante o circo
do povo. Cheio dos escândalos rotineiros, das manchetes podres de cada dia, das
notícias que já chegam em fedentina. Cheio da desonra brasileira, da vergonhosa
política brasileira, da escabrosa ética dos poderes, das invirtudes que
prosperam pelos planaltos. Cheio das mentiras negando o inegável, cheio dos
lamaçais sob os pés e dos perfumes derramados para dizer das nobrezas. Cheio
dos discursos hipócritas, mentirosos, deslavados, como se as inocências fossem
características políticas. Tô cheio de tudo isso.
Tô cheio desses prefeitos que gastaram
milhões para serem eleitos, conheciam a situação financeira do país, do estado
e do município, e agora vivem choramingando nas emissoras de rádio, nos
jornais, nos discursos, perante o povo. Tô cheio desses prefeitos que quanto
mais choram mais enriquecem, mais esbanjam poder, mais fazem gastos
exorbitantes. Cheio desses prefeitos que continuam em palanques depois da eleição
e fazem das prefeituras seus feitos e nos seus latifúndios beneficiam apenas
aqueles de seus grupos políticos. Cheio dessas gestões que administram para
partidários, apadrinhados e bajuladores, e não para o município e sua
população. Tô cheio de tudo isso.
Tô cheio de uma classe que se diz popular e
que faz das poucas letras e do pouco conhecimento educacional uma forma de
comprovar sua alfabetização também política. Cheio de um povo cujas escolhas se
dão pela cegueira política, pelo fanatismo injustificado. Tô cheio de uma
população eleitora que nega os fatos e as provas e prefere aplaudir corruptos e
condenados. Cheio, transbordantemente cheio, desse religioso político que
insiste em colocar nos altares aqueles que deveriam estar na cadeia. Tô cheio
de tudo isso.
Tô cheio do dodói desse povo que mete o pau
em político e depois se ajoelha na boca da urna. Tô cheio desse povo que
critica e lasca o pau na política e nos políticos e depois fica caladinho se um
vintém lhe é jogado na cara. Tô cheio desse que diz que o mundo se acabou por
causa da votação de Aécio, que diz que o Congresso é um valhacouto, mas depois
silencia em subserviência. Tô cheio desses contestadores de meia tigela que só
tem fogo num momento e no outro apenas o esquecimento. Tô cheio desses que se
comprazem em bajular até quando o pires está cheio, mas depois cospem no chão
para o seu antigo bonzinho cair. Tô cheio desses que se vendem por miséria e se
prostituem nas redes sociais em defesa de políticos e da desavergonhada
politicagem. Tô cheio da crítica pela crítica e da discórdia sem fundamento. Tô
cheio da bajulação, do baba-ovismo, do descarado puxa-saquismo.
Tô cheio de ler que ninguém deve votar mais
em ninguém e mais adiante saber que o fanatismo pago falou mais alto e roubou a
consciência e a memória. Tô cheio de endeusamentos e açoitamentos, quando todo
mundo sabe que político só é bom para ele próprio e aqueles de seu conluio. Tô
cheio de analfabetos políticos, de analfabetos da razão, de analfabetos da
memória. Tô cheio de quem não tem o que fazer e escreve coisas desse tipo para
servir de coisa nenhuma, pois o que vale mesmo é a besteira pela idiotice. No
mundo das incoerências, o valor das coisas está no seu desvalor.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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