*Rangel Alves da
Costa
Alguns
sinais anunciavam a festa da menina nua. O vento começava a soprar diferente e
de modo mais apressado, as plantas farfalhavam murmurando, um bicho corria
daqui e dali, a natureza ao redor ficava mais perfumada, o tempo parecia
preguiçoso demais pra passar. E olhos passeavam pelos arredores.
E quando
ela abria a porta de casa, começava caminhar pela rua e virar no beco do
riachinho, então tudo parecia que ia desandar de vez. Com passos lentos,
formosura no andar, corpo tão singelo que parecia uma flor, ela seguia sorrindo
bonito, balançando a flor no cabelo e encantando aquele momento da vida.
E o lugar,
cidadezinha pacata, de pessoas empobrecidas e lutadoras, nas suas janelas e
calçadas de todo dia, parecia completamente transformado quando ela saía de
casa ao entardecer e seguia para tomar seu banho no riachinho. Tomava outro em
casa, assim que retornava, mas parecia promessa pra ser assim.
O banho
era de roupa mesmo. Nem pensar em ficar na pele de nascimento diante dos tantos
olhares mirando seu corpo. E não apenas os olhos dos meninos danados, dos
molecotes traquinas, mas também dos bichos, das plantas, das pedras, da própria água. Tudo tinha olhar
espichado pra bela flor.
Ora, dizem
que a beleza quando se expressa em toda sua pujança faz a pedra ativar seus
sentidos. E certamente não haveria gente ou qualquer outro elemento da natureza
que não se encantasse quando ela surgia, passava caminhando, mostrava suas
formas divinais. E quase nua então, tomando banho então, com aquele vestidinho
fino rente ao corpo molhado então.
Linda,
linda, era a menina. Menina no modo de dizer, mas mocinha cheirando a leite,
como se dizia por lá, nas distâncias do fim do mundo onde vivia. Na idade da
espiga de milho rompendo da palha, da fruta amadurecendo, do café coado tomando
cheiro e sabor. O nome dela? Ah, o nome dela sei não. Flor. Talvez flor. Outro
nome não assentaria.
Mas a
meninada a chamava de outro jeito. Brisa para uns, Mimosa para outros, ou
simplesmente Linda Donzela. Ela não se importava com nada disso, pelo
contrário. Respondia com um leve sorriso de qualquer jeito, deixando o mundo
ainda mais feliz e apaixonado. Foi por isso que silenciosamente a pedra a tinha
por Anjo.
Ao chegar
sempre sozinha na beirada do riachinho, a menina tirava o chinelo, guardava a
flor do cabelo e dava uns cinco passos até alcançar as águas. Abaixava-se,
tocava a água com a mão direita, em seguida fazia o líquido se derramar pela
testa e pela face. Estava benta e pronta para o seu banho.
Após
colocar o pé direito, arremessava-se de corpo inteiro. Mergulhava solenemente,
fazia a água borbulhar de prazer. E ao levantar, com pele e pano numa forma só,
parecia estar completamente nua. E realmente nua era como os olhos ao redor a
avistavam. O passarinho chegava até a ponta da pedra mais próxima, uma folha
chegava no vento e se deixava cair bem ao lado.
Os meninos
quase caíam dos galhos das árvores aonde subiam para se esconder e presenciar a
deusa nua e molhada. Alguns molecotes disputavam com os bichos e as próprias
pedras a melhor visão que pudessem ter. E coisa incrível acontecia, pois as
águas paravam de correr para se avolumar e fazer festa ao redor da mocinha.
Mas um dia
ela mergulhou e ficou mais tempo que o costume. Os olhares, preocupados, cresceram,
só faltaram correr até o ponto borbulhante na água. Palavras de espanto e temor
ficaram forçosamente silenciadas; tudo sem saber o que havia acontecido. E de
repente ela surgiu. E ao levantar estava completamente nua. Em pelo. E em
pétala.
Um menino
despencou de cima da árvore nesse momento. Uma algazarra imensa na mataria. As
águas pareciam em turbilhão. E impossível descrever quando ela, assim todo nua,
deitou numa pedra e assim ficou até o surgir da lua.
Foi o dia
que a lua abriu caminho no por do sol e brilhou mais cedo. Apaixonada. Também.
E depois a menina nua deixou a roupa na beirada do riachinho e completamente
nua seguiu seu caminho de volta. Uma cena indescritível. A coisa mais linda que
já se viu.
Sobre o
seu corpo ainda molhado, a cor dourada da lua. Os olhos que viram não
acreditaram. E os que tinham certeza que era ela, eis que acabaram perdendo o
juízo. Assim a menina nua. Ou o encantamento da menina nua.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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