*Rangel Alves da Costa
Que pesadelo mais terrível o de Gregório. Ele
avistando a si mesmo de costas, andando descalço e trôpego, cabisbaixo,
esfarrapado, imundo, cabelos desgrenhados, a mais terrível das visões. Mas nada
igual ao que avistou antes de pular da cama, sobressaltado. Havia se
transformado num bicho horrendo, medonho, indescritível. Quando aquele homem
virou-se na sua direção, com aquela estranheza toda por todo o ser, então o
pesadelo levou-o ao chão. Fora praticamente lançado ao chão.
Contudo, do pesadelo à realidade, pois
Gregório foi, lentamente se transformando num bicho, num monstro horrendo, numa
aberração da natureza. A sorte dele, porém, que somente ele próprio se sentia e
se avistava assim, aos poucos se transmudando num ser tão medonho que
certamente seria renegado por qualquer pessoa que o avistasse daquele jeito,
fosse da própria família ou não.
Triste realidade num ser. Triste realidade
num homem que depois de tantos anos trabalhando, de ter construído sua casinha,
de sempre cuidar para que não faltasse nada ao lar nem o pão sobre a mesa, e de
repente ter tudo minguando e sem poder nada fazer. Era pobre - reconhecia-se
assim -, mas nunca numa situação de tamanha miserabilidade como a que de
repente passou a sentir. Um pobre que nunca precisou pedir nada a ninguém, mas
que agora sentia que não demoraria muito para se submeter e até se ajoelhar
perante a realidade da vida.
Na primeira manhã, logo após aquele terrível
pesadelo, foi na padaria que começou a sentir os sintomas iniciais da
transformação. O pão estava mais caro, a manteiga também. Perguntou o porquê
daquele repentino aumento de preço e do padeiro ouviu que a farinha de trigo
havia aumentado demais, o fermento também, sem falar no preço da energia. Então
ele sentiu um embrulhamento por dentro, algo jamais acontecido. Sentia-se como
tomado por uma força estranha por dentro.
Retornou à residência mais cabisbaixo do que
nunca, pensativo, preocupado demais. Contudo, o problema maior estava na
certeza que estava acometido de alguma doença. Antes mesmo de chegar a casa,
resolveu caminhar mais um pouco em direção à farmácia. Pediu ao atendente um
remédio que melhorasse aquele mal-estar por dentro e quase desmaia quando ouviu
o preço. E do moço da farmácia também ouviu que todo o remédio já estava mais
caro a partir daquela manhã e que outro aumento estava previsto para a semana
seguinte. Não comprou. Não tinha dinheiro.
Abriu a porta de casa já em frangalhos. Ao
sentar ao sofá e ligar a televisão, então a morte quase chega de repente. O
noticiário dizia que o governo estava gastando uma fortuna para manter
deputados na sua base de apoio e assim afastar qualquer denúncia que fosse
contra si lançada e por isso mesmo os cofres públicos já apresentavam um rombo
gigantesco. E para suprir sua caixa de bondades politiqueiras, o governo
federal não havia encontrado outra saída senão aumentar impostos. E a
consequência desse aumento seria logo sentido na vida da população brasileira.
Esse governo Temer vai me matar, vai matar
toda a população brasileira, vai acabar com tudo e com todo mundo. Foi o que
disse enquanto tentava se levantava, sem poder, para desligar a televisão.
Estava espichado no sofá e espichado ficou. Sentia-se impotente a qualquer
coisa, tomado de um estranhamento sem fim. Esforçou-se um pouco mais e enfim
conseguiu levantar, adiante um espelho e sua terrível feição. Olhou-se de cima
a baixo e confirmou o que jamais esperava de acontecer, então disse a si mesmo:
Estou acabado, molambento, sem mais ter o que fazer na vida.
Deu um passo em direção à janela, forçou-a de
tal modo que a madeira carcomida caiu a seus pés. Chutou pedaço de madeira pra
tudo que era lado e depois gritou: Temer, você é o culpado de tudo Temer. Pensa
que vai me endoidar, pensa que vai me matar? E entrou em devaneio: Cadê meu
cavalo de pau? Quero meu cavalo de pau que tenho de fugir daqui, sair desse
Brasil antes que Temer chegue aqui para me enterrar vivo. Cadê minha peteca
baleadeira? Ai se eu tenho agora minha peteca baleadeira. Tô com fome. Não
posso mais comprar comida, não posso comprar mais nada, então vou caçar preá na
porta da rua...
Desse dia em diante o homem não teve mais
serventia pra nada. Passou a se sentir como bicho, como um ser repugnante, como
uma barata imensa e nojenta, como uma verdadeira aberração. E toda vez que
ouvia o nome Temer mais sua aflição aumentava. Bastava o nome Temer e se sentia
com o corpo inteiro sendo tomado por uma medonha asquerosidade. Tudo fazia para
não abrir a porta e sair à rua. Tinha vergonha daquele estado deplorável que
havia se transformado. Quando saía, logo procurava encobrir-se com uma capa
velha e molambenta. Não queria que a sua miserabilidade fosse avistada em
nudez.
Mas certa feita, quando de repente ouviu
alguém falando aquele nome terrível, não encontrou outra saída senão se lançar
pelos esgotos e chorar. Era a miséria humana imposta por um governante.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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