*Rangel Alves da Costa
Para muitos, os varais são apenas arames,
cordames, nylons ou fios estendidos nos quintais ou muros, onde são colocadas e
estendidas as roupas e outras peças de pano para secar ao sopro do vento.
Para muitos, os varais são apenas fios
alongados entre vigas, árvores ou varas, adormecidos dia e noite à espera que
cheguem com roupas molhadas ou encharcadas. Ali estendidas, firmes em
pegadores, as roupas e os panos vão perdendo suas umidades até novamente
estarem prontas ao uso.
Para muitos, os varais são apenas isso. Nada
mais que isso. Um objeto qualquer que serve para secagem de tecidos. Apenas
fios estendidos entre vigas. Ou apenas qualquer coisa cuja utilidade é tão
despercebida quanto os demais objetos que guarnecem os muros, os quintais, os
lados residenciais.
Para outros, contudo, os varais são como
poesias escritas no olhar. Aqueles panos estendidos, aquelas roupas molhadas e
lentamente secando, aqueles tecidos encharcados que vão ficando leves, aquelas
camisas e calças, vestidos e saias, que de repente começam a querer esvoaçar,
são como processos de aprisionamento e liberdade.
Para estes, aqueles que avistam muito além
dos panos estendidos, os varais sintetizam a própria existência. Quando os ventos
sopram e os gotejamentos molhados começam a cessar, quando e rigidez ganha
contornos de brandura, quando as roupas já não estão apenas estendidas e se
mostram como soltas, então a reflexão acerca daquele instante em que o ser
humano sai de seu encharcamento interior e se impulsiona de asas abertas.
Nas vigas e paus que sustentam os varais, ou
mesmo nos fios estendidos, geralmente pousam e repousam os passarinhos. Quando
não estão tomados de roupas e em instantes em que os quintais e os muros estão
silenciosos e calmos, são os pássaros que ali chegam para a mesma idealização
dos varais como instrumentos de fuga e de liberdade. Depois do voo, ali
repousam por instantes, refletem sobre os passos seguintes, e depois levantam
voo pelos horizontes.
Há quem aviste os varais como algo com vida
própria. E não será errôneo pensar assim. Ao longe, avistando as roupas
estendidas, de repente o olhar se espanta pelos braços abertos, pelas calças
querendo andar, pelos vestidos e saias querendo pular, pelas sensações de que
ali existem pessoas e que desejam o seu mundo. E quando a ventania chega mais
forte e uma camisa se desprende dos pegadores, no alto, em pleno voo, é como se
as mãos dessem adeus.
Essa humanização do varal sempre provoca
lágrimas, tristezas e sofrimentos. Essa sensação de que no varal estão
estendidas vidas, sempre provoca saudades, angústias, desolações. Ora, qual a
sensação de uma pessoa que após lavar e estender a roupa de um ente querido já
partido para o além, de repente passa a sentir que a roupa se move e que os
braços se abrem avidamente, que deseja ser tocada, abraçada, sentida,
reencontrada?
Mas, acima de tudo, vidas, as nossas vidas,
são como varais ao vento. Vez por outra sentimos que precisamos nos lavar e nos
esfregar com água e sabão, por dentro, no âmago, para afastar aflições que
persistem acontecer, e depois nos estender em varais para o necessário
renascimento. Outras vezes, ante as lágrimas que insistem em cair, perante os
prantos que persistem em brotar, diante dos rios e mares que surgem na face,
sentimos que precisamos nos refazer, enxugando as dores e os sofrimentos em
varais.
Há, ali no quintal, um solitário varal. Abro
a porta da cozinha e sigo em direção ao cercado. Como não posso me erguer e ali
me estender com roupa e tudo, simplesmente tiro de mim todos os panos e no
varal os estendo. Mas para que faço isso? Meus olhos me avistam leve, solto,
querendo esvoaçar. Talvez ali a minha liberdade maior ainda não conseguida e o
imenso desejo de querer voar. Voar. Voar!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Quando cheguei m casa após o enterro do meu pai, lá estava pendurada no varal da área de serviço a sua camisa usada. Ele costumava chegar em casa, tirar a camisa e pendurá-la lá - na verdade, ele a jogava no varal - para secar o suor. estavam lá a camisa, o cheiro dele. mas ele nunca mais estaria.
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