*Rangel Alves da Costa
O velho poeta bateu as botas e despediu-se da
vida recebendo manifestações de apreço e de reconhecimento pelas suas virtudes
de acadêmico tão louvado no mundo das letras. Ora, era dono de versos reconhecidamente
maravilhosos e até traduzidos em muitas línguas.
Perante os rostos, faces e feições
entristecidas pelo fato de tão dolorosa partida, na sala onde se estendiam os
rituais do velório, os soluços e prantos pareciam silenciar para ouvir as
palavras elogiosas ao falecido:
“Oh viva’alma que agora jaz entre crisântemos
e velas chamejantes de dor. Se tua passagem terrena fora um livro aberto de
poesias, agora, em dolorosa despedida, os poemas choram e os sinos dobram em
tua memória. Oh seu calhorda de uma figa que rastejava pelos puteiros atrás de
rapariga...”.
Que coisa espantosa! Tão belas palavras e de
repente aquele acinte de chamar o falecido de calhorda e de raparigueira
rastejante atrás de buceta nova. Algo impensável ante as virtudes daquele homem
bom e cuja vida fora tão dedicada às letras, aos versos, às primorosas
declamações.
Ante o espanto, para minimizar a situação,
prosseguiu o confrade da Academia dos Dourados Versos: “Não, não quis dizer de
calhordice nem de putanice. Sobre isso eu nada disse. Traduziram mal minhas
palavras, as quais foram não calhorda, mas horda de versos doces a embevecer os
corações das moças belas...”.
No instante seguinte, outro carcomido
confrade, aproximou-se trazendo à mão uma folha escrita com as palavras escolhidas
para homenagear o amigo até então duvidosamente pranteado. Ante aquela sumidade
das letras, então logo todos silenciaram e colocaram seus ouvidos em atenção,
para ouvir:
“Vai-te amigo, cultivador sem igual da bela
flor do Lácio. Quantas páginas maravilhosas escreveste, quantos versos
cativantes escreveste, em cujas páginas ouvia-se o canto do passarinho e o
caminhar do sol ao seu entardecer mais sublime. Sem falar nas belas e
apaixonantes descrições daqueles seus cadernos escondidos, que de tão safados
ninguém podia avistar...”.
Assombro ainda maior. Revelava-se, então, que
o tão famoso acadêmico escrevia às escondidas outros tipos de versos, digamos
assim, carnais, sexuais, lascivos? A viúva quis implorar para que o ilustre das
letras não prosseguisse, mas não teve voz para pedir. Então teve de ouvir:
“É como se eu ainda estivesse sentindo o
cheiro de teus versos cantando as belezas de um xibiu. E quando falava da vulva
aberta em flor, dos suores amorosos das safadezas, dos corpos se entrelaçando
como bichos no mais devasso cio? Eras, meu caríssimo depravado, o poeta maior
das vulvas abertas e perfumadas e das bundas em redondilhas e prazerosas
estrofes...”.
A viúva sequer havia chegado a ouvir as
últimas palavras. Havia desmaiado como se despedindo da vida estivesse. Velhas
senhoras que agora usavam lenços não mais para enxugar as lágrimas, mas para se
abanar pelos calores causados pelas revelações. Completamente surdo, o velho
acadêmico não ouviu os rogos para parar e prosseguiu:
“Tenho agora comigo aquela poesia que sua
maestria libertina tão bem intitulou de “As pernas abertas de Leocádia”, e que
diz...”. Mas não conseguiu ler o restante. Pois a Leocádia estava presente. E
esta uma bela mocinha que à casa do falecido servia na função de cozinheira. Ao
ouvir seu nome, logo pulou juntou ao caixão para dizer:
“Velho duma figa. Abria minhas pernas pagando
bem pago e sem nunca dizer que escrevia isso em homenagem à minha...”. Não
conseguiu prosseguir por que uma parenta avançou-lhe sobre os cabelos,
rasgando-lhe as vestes e deixando toda nua. E para na sala se ouvir: “Eis aí
prova maior da poesia do nosso tarado que agora se vai. Os doces versos de uma
donzela em flor”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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