SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 25 de abril de 2018

Palavra Solta - quando eu era mais velho



*Rangel Alves da Costa


Sim, acredite. Houve um tempo em que eu era mais velho. E houve outro tempo que eu era mais velho ainda. Tão velho já fui que ninguém me enxergava mais na velhice, e sim como um menino de braço na plenitude da criancice. Depois dessa velhice, quando já não tinha mais idade que coubesse em mim, então comecei a regressar para ser o que sou agora: um menino-velho e um velho-menino em meio à estrada. De agora em diante, para o lado que eu for, sempre estarei indo para a criancice, para quase voltar ao ventre materno. Já não terei palavras inteligíveis, já não andarei com meus próprios pés, já não farei as escolhas que desejar, já não vestirei sozinho minha roupa nem me banharei escondendo minha nudez. Tudo os outros farão em mim e por mim. Quando muito, chorarei o choro longo que toda criança chora, resmungarei por qualquer coisa que não goste por perto de mim. Na minha boca, uma papinha, um mingau, um gole d’água, um remédio. Apenas isso. Ora, serei criança e assim serei. E assim por que a estrada que me faz retornar à meninice é a mesma que me leva à velhice. E o que é um velho carcomido de tempo senão um menino? Toda velhice plena é uma criancice em plenitude. Fomos de berço um dia. E no dia da velhice retornaremos ao mesmo berço. E pensarão que choramos por qualquer coisa. Mas não. Ou querendo papinha na boca ou tendo saudade da estrada que agora já vai sumindo nas distâncias do nublado olhar.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: